Comunicados Zapatistas

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Eles e Nós. VI. Os olhares. 3. Alguns outros olhares

Tradução feita por: amandac

Revisão: pendente

ELES E NÓS
VI.- Os Olhares 3.
3.- Alguns outros olhares
Um: Um sonho à vista
É uma rua,  um milharal, uma fábrica, um tunel, um bosque, uma escola, uma loja de departamento, um escritório, uma praça, um mercado, uma cidade, um campo, um país, um continente, um mundo.
O Chefão está gravemente ferido, a máquina quebrada, a besta exausta, a selvagem presa.
De nada serviram as mudanças de nome e de bandeiras, os golpes, os cárceres, os cemitérios, o dinheiro fluindo pelas mil artérias da corrupção, os “reality shows”, as celebrações religiosas, os anúncios pagos, os exorcismos cibernéticos.
O Chefão chama seu último capataz. Alguma coisa te sussurra no ouvido. O capataz sai e enfrenta a multidão.
Diz, pergunta, demanda, exige:
“Queremos falar com o …”
Hesita, a maioria das que o enfrentam são mulheres
Corrige:
“Queremos falar com a …”
Volta a hesitar, não é pequeno o número de outr@s que o enfrentam
Volta a corrigir:
“Queremos falar com quem está no comando”
Pelo silêncio se aproximam uma/um anciã/o e uma criança, param em frente ao capataz e, com uma voz inocente e sábia, dizem:
“Aqui todas e todos mandamos”
O capataz estremece, e estremece a voz do Chefão no seu último grito.
O olhar desperta. “Sonho estranho”, diz. E, sem importar o calendário e a geografia, segue a vida, a luta, a resistência.
Do estranho sonho só se lembra de umas palavras:
“Aqui todas e todos mandamos”.
Dois: Outro olhar desde outro calendário e outra geografia
(fragmento de uma carta recebida no quartel general de ezetelene, sem data)
“Saudações Compas.
(…)
Minha opinião é que tudo foi um monte de porcaria. Mas não nego que isso tudo é em retrospectiva. Seria muito fácil dizer que entendi perfeitamente o silêncio e que nada me surpreendeu. Falso, eu também me fiquei impaciente com o silêncio (desde já, não tem a ver com o que dizem que os zapatistas não falavam antes, eu sim li todas as denúncias). A questão é que visto com a vantagem dos fatos que passaram, e que estão passando, desde já a conclusão é lógica: estamos no meio da iniciativa mais audáz, ao menos desde a inssureição, dos zapatistas. E isso tem a ver com tudo, não só com a situação nacional, mas também internacional, creio eu.
 
Permitam-me que conte o que entendi do que, do meu ponto de vista, foi o feito mais significativo da ação de 21 [de dezembro de 2012]. Desde já, há muitas coisas: a organização, o esforço militante, a demonstração de força, a presença dos jovens e mulheres etc. Mas a mim, o que mais impressionou foi que marcharam carregando umas tábuas de madeira e que, chegando nas praças fizeram uns palanques. Conforme ia se narrando o que acontecia, muitos meios privados, e alguns livres, especulavam sobre a chegada dos líderes zapatistas. E não se davam conta de que os líderes zapatistas estavam ali. Que eram os povos que subiam no palanque e diziam, sem falar, aqui estamos, isso somos, isso seremos.
 O palco tocou aos que devia tocar. Ninguém reparou, creio eu, neste fato e, sem dúvida, creio eu, aí está, em poucas palavras, o significado profundo de uma nova forma de fazer política. O que rompe com todo o velho, o único verdadeiramente novo, o único que merece a pena ter [ilegível no original] “século XXI”.
A alma plebéia e libertária do que tem sido na história momentos conjunturais, aqui se construiu sem grandes alardes teóricos. Mas bem com uma prática enraizada. Já vem de vários anos para ser rotineiro. Já é um processo histórico social grande e sólido no terreno da auto organização.
Finalmente recolheram seu palanque, voltaram a transformar-se em tábuas e todos devíamos ter um pouco de vergonha e ser mais modestos e simples e reconhecer que algo inesperado e novo está a frente de nossos olhos e devemos olhar, calar, escutar e aprender.
Um abraço para tod@s. Espero que, dentro do possível, estejam bem.
 O Chueco.”
 
três: “Instruções sobre o que fazer em caso de … que te olhem”
Se alguem o olha, a olha, e você se dá conta de que …
Não te olha como se você fosse transparente.
Não quer convence-l@ que sim ou que não.
Não quer te cooptar.
Não quer te recrutar.
Não quer te dirigir.
Não quer te julgar-condenar-absolver.
Não quer te usar.
Não quer te dizer o que pode ou não fazer.
Não quer te dar conselhos, recomendações, ordens.
Não quer te recriminar porque não sabes, tampouco porque sabes.
Não te despreza.
Não quer te dizer o que deve ou não deve fazer.
Não quer comprar seu carro velho, sua cara, seu corpo, seu futuro, sua dignidade, sua vontade.
Não quer te vender algo.
(um tempo negociado, uma televisão lcd em 4D, uma máquina super-ultra-hiper-moderna com botão de crise instantânea (veja bem: não confunda com o botão de ejeção, porque a garantia não inclui amnésia por ridículos midiáticos), um partido político que muda de ideologia segundo o vento, um seguro de vida, uma enciclopédia, uma entrada vip para o espetáculo ou revolução ou céu da moda, um móvel em parcelas pequeninas, um plano de telefonia celular, uma membresia exclusiva, um futuro dado pelo líder generoso, um álibi para render-se, vender-se, mancar, um novo paradigma ideológico, etc.).
Então…
Primeiro.- Descarte que se trata de um depravado ou depravada. Você pode ser o quão suja, feia, má e grosseira quiser, mas, seja o que for de cada um, tenha esse toque sexy e gozador dest@s que trabalham muito, e esse “isso” pode despertar as baixas paixões de qualquer um/a. Mmh… Bom, sim, uma penteada não seria mal. Se não se trata de um/a depravad@, não desanime, o mundo é redondo e dá voltas, e segue mais abaixo (desta linha, se entende)
Segundo.-   Você está segur@ de que é para você que olham? Não estará olhando esse anúncio de desodorantes que está às suas costas (de você, se entende)? Ou não será que está pensando (quem te olha, se entende): “Acho que é assim que fico quando não me penteio“? Se descartou isso, continue.
Terceiro.-   Não tem cara de polícia tentando completar o pagamento que tem que  reportar  ao seu superior? Sim sim, corra, ainda está em tempo de não  perder o de  passagem. Se não, passe ao ponto seguinte.
Quarto,- Devolva-lhe o olhar, com sinal severo. Uma olhada mistura de nojo, dor de barriga, incômodo e look de  assassin@ em série vai servir. Não, assim parece ursinh@ constipad@.  Volte a tentar. Ok, passável, mas siga praticando. Agora, não foge apavorad@?, não desvia o olhar?, não se aproxima exclamando “ti@ juanch@! Não te reconhecia! Mas com esse gesto…”? Não? Ok, continue.
Quinto.-  Repita os passos primeiro, segundo, terceiro e quarto. Podem haver  falhas em nosso sistema (que, claro, é feito na China). Se volta a  chegar nesse ponto, passe ao seguinte:
Sexto.-  Você tem grande possibilidade de ter topado com alguém da Sexta. Não  sabemos se felicitar-lhe ou dar-lhe os pêsames. Em todo caso, é sua  decisão e sua responsabilidade o que acompanha este olhar.
quatro: Um olhar a um posto zapatista.
(calendário e geografia sem precisar)
O SupMarcos: Deve-se apurar porque se acaba o tempo.
A insurgenta de sanidade: Escute Sup, o tempo não se acaba, se acabam as pessoas. O tempo vem de muito distante e segue seu caminho até láaaaaa, onde não podemos olhar. E nós somos como pedacinhos de tempo, ou seja o tempo não pode caminhar sem nós. Nós é que fazemos com que o tempo caminhe, e quando nos acabamos vem outro e empurra um outro tanto ao tempo, até que se chega aonde se tem que chegar, mas não vamos ver onde é que chega senão que outros vão ver se é que chega cabal ou de repente não alcançou a força para chegar e outra volta que tem que empurrá-lo outra vez, até que chegue por si.
(…)
(…)
A capitã de infantaria: E por que demoraste tanto?
A insurgenta da sanidade: É  que estava dando a “aulas” sobre política ao Sup, , ou seja o estava ajudando para que explique bem que é preciso olhar distante, até onde não nos alcança nem o tempo nem o olhar.
A capitã de infantaria: Aham, e então?
A insurgenta da sanidade: Me castigou porque não cumpri com meus trabalhos e me mandou para o correio.
(…)
cinco: Extrato dos “Apontamentos para olhar o Inverno”
(…)
E  sim, tod@s subiram ao palanque com o punho ao alto. Mas não olharam bem.  Não viram o olhar desses homens e mulheres. Não viram que, quando  cruzavam por cima, voltavam o olhar até abaixo e viam suas dezenas de milhares de companheiros. Ou seja, olhavam a si mesmos. Lá em cima não nos olharam olhando-os. Lá acima não entenderam, nem entenderão nada.
(…)
seis: Ponha você sua olhada (ou seu xingamento, desde que não seja de menta).
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(Continuará…)
Desde qualquer canto de qualquer mundo.
SupMarcos.
Planeta Terra.
México, Fevereiro de 2013.
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Escucha y ve los videos que acompañan este texto.
Escute e veja os videos que acompanham esse texto.
Daniel Viglietti e Mário Benedetti interpretam “a la limón” a canção “La Llamarada” e o poema de Benedetti “Pregón”, Concerto em Montevideo, Uruguai, América Latina, Planeta Terra. Ao começar, Daniel faz um reconhecimento de tod@s @s que não estão no palco, mas fazem com que seja possível Daniel e Mário estarem. Quase no fim, podem escutar Mário Benedetti cantando, cantando-se, cantando-nos e, sem importar o calendário e a geografia, vice versa.
Amparanoia interpreta “Somos Viento”. Em uma parte, Amaparo Sánces diz “Ik´otik”, que em tzeltal quer dizer “somos vento”.
Amparo Ochoa, voz que ainda ecoa em nossas montanhas, interpretando “Quién tiene la voz”, de Gabino Palomares.

Eles e Nós. VI. Os Olhares. 2. Olhar e escutar de e para abaixo

Tradução feita por: amandac

Revisão: pendente

ELES E NÓS

VI.- Os Olhares 2.

2.- Olhar e escutar de e para abaixo.

Podemos todavia escolher para onde e desde onde olhar?

Podemos, por exemplo, escolher entre olhar quem trabalha na rede de supermercados, reclamar aos trabalhador@s de serem cúmplices da fraude eleitoral, e fazer escárnio do uniforme laranja com que obrigam a vestir-se @s empregad@s, ou olhar a empregada que, depois de entregar a conta…?

/ A caixa vai e tira o avental laranja, resmungando pela coragem que lhe deu que reclamassem dela ser cúmplice da fraude que levou ao Poder a ignorância e a frivolidade. Dela, mulher, jovem ou madura ou mãe ou solteira ou divorciada ou viúva ou mãe solteira ou esperando ou sem filhos ou o que seja, que entra no trabalho às 7 da manhã e sai às 4 da tarde, claro, se não tem horas extras, e sem contar o tempo de casa para o trabalho e a volta, e logo ao ir à escola ou à casa, os “trabalhos-próprios-de-seu-sexo-se-pode-fazer-com-um-toque-de-vaidade”, leu em uma das revistas que estão ao lado do caixa, em um dia que não havia muita gente. Ela, a quem se supõe que esses vão salvar, questão de um voto e pronto, a felicidade. “Por acaso os donos se vestem com o avental laranja?”, murmura irritada. Ela arruma um pouco o desalinho proposital com que chega para trabalhar para que o gerente não a moleste. Sai. Lá fora espera sua companhia. Se abraçam, se beijam, se tocam com o olhar, caminham. Entram em um café-internet ou cibercafé ou como se diga. 10 pesos a hora, 5 meia hora… /

Meia hora – dizem, fazendo mentalmente contas do orçamento-tempo-do metrô-ônibus-caminhar.

Pendura Roco, não seja pão-duro – diz ele.

– Tá bom, mas em quinze dias você paga, se não o patrão cai em cima de mim e você que vai me fazer fiado.

Tá bom, mas será quando tenha carro, cara, porque estou de lava-rápido.

– Então lave, cara! – diz Roco.

Riem os 3.

– A número 7 – diz Roco.

– Anda, procura – diz ela.

Ele põe um número.

– Não – diz ela -, procura quando começou tudo.

Navegam. Chegam quando são um pouco mais de 131. Colocam o vídeo.

– São morangos – diz ele.

Acalme-se vanguarda revolucionária. Você está mal da cabeça se julga as pessoas por sua aparência. Se me chamam, por ser de pele clara, de moranguinho, e não veem que mal chego ao dia 15 do mês. Tem que ver a história de cada um e o que faz, bestadiz ela, acompanhando a argumentação com um tapa.

Continuam assistindo.

Olham, calam, escutam.

– Depois que cantaram em frente a esse Peña Nieto… são valentes, sim, se vê que têm culhões –, diz ele.

– E ovários, imbecil – outra alfinetada dela para ele.

– Vê lá minha rainha, vou te denunciar por violência intrafamiliar.

– Será violência de gênero, imbecil – e outro tapa.

Acabam de ver o vídeo.

Ele: – É assim que começam as coisas, com uns poucos que não tem medo.

Ela: – Ou se tem medo, o controlam.

– Meia hora! – grita Roco.

– Sim, vamos.

Ela vai rindo.

– E agora ri de quê?

– De nada, estava me lembrando – chega mais perto dele – disso que disse de “intrafamiliar”. Quer dizer como quem diz que você quer que sejamos família?

Ele nem duvida:

– Calma, minha rainha, pra logo, já estamos indo, mas sem tantos tapas, melhor beijinhos, e mais abaixo e à esquerda.

– Não enche o saco! – outro tapa – E nada de “minha rainha”, não somos contra a maldita monarquia?

Ele, antes do tapa: – Tá bom, vai, minha… plebéia.

Ela ri, ele também. Depois de uns passos, ela:

– E você acha os zapatistas nos convidam? Certo, se o Vins é meu amigo e disse que ele é muito amigo do “cara de meia” porque o deixou ganhar no Mortal Kombat, nas máquinas, assim que é só dizermos que somos da turma do Vins e já está feito – ele argumenta entusiasmado.

– E será que vou poder levar minha mãe?, já está idosa…

– Claro, falando de bruxas, se temos sorte ela fica até atolada no lodo, a futura sogra – ele abaixa a cabeça esperando o tapa que não chega.

Ela, já com nojo:

– E que raios nos vão dar os zapatistas se estão tão longe? Por acaso vão me dar um salário melhor, vão fazer que me respeitem, que os malditos homens não fiquem olhando minha bunda na rua, e que o filho da puta do patrão pare de me tocar por qualquer motivo? Me vão dar para pagar o aluguel, para comprar roupa pra minha filha, meu filho? Vão abaixar o preço do açúcar, do feijão, do arroz, do óleo? Vão me dar o que comer? Vão enfrentar a polícia que todo dia incomoda e extorque no bairro os que vendem discos piratas dizendo que é para não denunciá-los para o senhor ou a senhora Sony..?

– Não se diz “pirata”, mas “produção alternativa”, minha rain… plebéia. E não estoura comigo que estamos na mesma.

Mas ela já está viajando, e ninguém pode pará-la.

– E você, vão devolver seu trabalho na fábrica, onde já era qualificado e não sei o que mais? Vão fazer valer seus estudos, os cursos de capacitação, e tudo para que o imprestável do patrão leve a empresa não sei onde, e o sindicato e a greve, e tudo o que fez, para depois terminar lavando carros? Ou como seu amigo, que tiram o trabalho dele e somem com o patrão para que ele não possa se defender e o governo com seu rolo de sempre de que é para melhorar o serviço e a classe mundial e a mãe do morto e por acaso baixaram as tarifas, se está mais caro, e a luz cai toda hora e crretino Calderón vai ter aulas de sem-vergonhice com os gringos, que são os mestres nisso. E meu pai, que deus o tenha em sua santa glória, que foi trabalhar no outro lado [nos EUA], não para ser turista, mas para conseguir dinheiro, a luz, a lã, a grana para nos manter quando a gente estava pequeno e assim sem mais nem menos atravessando a fronteira a polícia de imigração o pegou como se fosse um terrorista e não um trabalhador honrado e nem o corpo nos entregaram e esse cretino Obama que parece que tem o coração com a cor do dólar.

– Tá bom, pare o carro e vai pra calçada, minha plebéia.

É que cada vez que me lembro me dá coragem, tanto dar, dar, para que no final os de acima fiquem com tudo, só falta que privatizem o sorriso, embora não acredito, porque desses tem poucos, mas as lágrimas sim, essas abundam e se fazem ricos… mais ricos. E depois vem você com essas suas coisas de que os zapatistas pra cá e os zapatistas pra lá, e que abaixo e à esquerda e que a oitava…

– A Sexta, não a oitava – interrompe.

– Que seja, esses caras estão muito longe e depois falam um espanhol pior que o seu.

– Ora, ora, não seja má.

Ela limpa as lágrimas e murmura: – Maldita chuva, já arruinou meu Estée Lauder, e eu que tinha me dado de presente porque você gosta de doces.

Eiii, você eu gosto mais sem nada… de roupa.

Riem.

Ela, muito séria: – Bom, vai, me diga, esses zapatistas vão nos salvar?

– Não, minha plebéia, não vão nos salvar. Isso e outras coisas temos que fazer nós mesmos.

– E então?

– Ah, pois, nos vão ensinar.

– E que nos vão ensinar?

– Que não estamos sozinhos.

Ela fica calada um momento. E logo:

– Nem sozinhas, imbecil! – outro tapa.

O transporte coletivo vai explodir de tão lotado. Melhor esperar o próximo.

Faz frio, está chovendo. Se abraçam mais, não para não se molharem, mas para se molharem juntos.

Longe alguém espera, sempre há alguém que espera. E enquanto espera, com um velho lápis e em um caderno velho e esfarrapado, conta os olhares de abaixo que por uma janela os olha.

(Continuará…)

Desde qualquer canto, em qualquer dos mundos.

SupMarcos.
Planeta Terra.
Janeiro de 2013.

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  • “Los Nadies”, baseada no texto homônimo de Eduardo Galeano. Interpreta “La Gran Orquesta Republicana”, banda de ska-fusión, Mallorca, Espanha. Formada por Javier Vegas, Nacho Vegas: saxo. Nestor Casas: trompeta. Didac Buscató: trombón. Juan Antonio Molina: guitarra eléctrica. Xema Bestard: bajo. José Luis García: batería.

http://www.youtube.com/watch?v=ucN-xogQHRQ&feature=player_embedded

Liliana Daunes narra um conto muito “outro” chamado: “Simpre y Nunca contra A Veces”. Saudações à Rede de Solidariedade com Chiapas, que luta e resiste aqui singelamente, em Buenos Aires, Argentina, América Latina, Planeta Terra.

http://www.youtube.com/watch?v=80EIfHMndnQ&feature=player_embedded

“Salario Mínimo” Oscar Chávez e Los Morales.

http://www.youtube.com/watch?v=hyKSN0CRe7w&feature=player_embedded

Eles e Nós. VI. Os olhares. 1. Olhar para impor ou olhar para escutar

Tradução feita por: amandac

Revisão: pendente

ELES E NÓS

VI.- Os Olhares

1.- Olhar para impor ou olhar para escutar.

Por uma vez poderei dizer
Sem que haja ninguém que me contradiga
Que não é o mesmo aquele que deseja

Que aquele que cobiça

Como não são as mesmas as palavras

Ditas para serem escutadas

Que ditas para serem obedecidas

Nem tampouco é o mesmo aquele que me fala

Para dizer-me algo

Que aquele que me fala para que me cale”.

Tomás Segovia.

Quarto Rastreamento” em “Rastreamentos e Outros Poemas”
da editora que tem o bom gosto de chamar-se “Sem Nome”.
Obrigada e um abraço a María Luisa Capella, a Inés e Francisco
(bendito seja o digno sangue que em seus corações pulsa)
pelos livros e as letras-guía.

Olhar é uma forma de perguntar, dizemos nós, @s zapatistas.

Ou de procurar…

Quando se olha no calendário e na geografia, por mais distante que estejam uma da outra, se pergunta, se interroga.

E é no olhar onde o outro, a outra, x outrx aparece. E é no olhar onde este outro existe, onde se traça seu perfil como estranho, como alheio, como enigma, como vítima, como juiz e carrasco, como inimigo… ou como companheir@.

É no olhar onde o medo se aninha, mas também onde pode nascer o respeito.

Se não aprendemos a olhar o olhar-se do outro, que sentido tem nosso olhar, nossas perguntas?

Quem és?

                Qual é a tua história?

                                                  De onde, tuas dores?

                                                                           Quando, tuas esperanças?

Porém não importa somente o quê ou a quem olha. Também, e sobretudo, importa desde onde se olha.

E escolher aonde olhar é também escolher desde onde.

Ou é o mesmo, olhar desde acima a dor daqueles que perdem aqueles que amam e de que necessitam, pela morte absoluta, inexplicável, definitiva, que olhar desde abaixo?

Quando alguém de acima olha os de abaixo e se pergunta “quantos são?”, na realidade está perguntando “quanto valem?”.

E se não valem, que importa quantos são? Para obscurecer este inoportuno número estão os grandes meios de comunicação comerciais, os exércitos, as polícias, os juízes, as prisões, os cemitérios. E para o olhar nosso, as respontas nunca são simples.

Ao olharmos olhar oque olhamos, nos damos uma identidade que tem a ver com dores e lutas, com nossos calendários e nossa geografia.

Nossa força, se é que temos alguma, está neste reconhecimento: somos quem somos, e há outr@s que são quem são, e há outro para quem todavia não temos palavra para nomeá-lo e, ainda assim, é quem é. Quando dizemos “nós” não estamos absorvendo, e assim subordinando, identidades, mas sim ressaltando as pontes que existem entre as diferentes dores e as distintas rebeldias. Somos iguais porque somos diferentes.

Na Sexta, as zapatistas, os zapatistas, reiteramos nosso rechaço a toda tentativa de hegemonia, quer dizer, a todo vanguardismo, seja nos colocando à frente ou à margem, ou, como ao longo dos séculos, na retaguarda.

Se com a Sexta buscamos nossos semelhantes em dores e lutas, sem importar os calendários e as geografias que nos distanciem, é porque sabemos bem que o Chefão não se vence com um só pensamento, uma só força, uma só direção (por mais revolucionária, coerente, radical, engenhosa, numerosa, poderosa e outras coisas que esta direção seja).

É ensinamento de nossos mortos, que a diversidade e a diferença não são debilidades dos de abaixo, mas sim nossa força para parir, sobre as cinzas do velho, o mundo novo que queremos, que necessitamos, que merecemos.

Sabemos bem que este mundo não é imaginado somente por nós. Mas em nosso sonho, esse mundo não é um, e sim muitos, diferentes, diversos. E é em sua diversidade onde tem sua riqueza.

As reiteradas tentativas de impor a unanimidade, são as responsáveis para que a máquina tenha enlouquecido e se aproxime, cada minuto, ao minuto final da civilização como é conhecida até agora.

Na atual etapa da globalização neoliberal, a homogeneidade não é senão a mediocridade imposta como uniforme universal. E se é diferente em alguma coisa da loucura hitleriana, não é em seu objetivo, mas sim na modernidade dos meios para alcançá-lo.

-*-

E se, não só nós, buscamos o como, o quando, o onde, o quê.

Vocês, por exemplos, não são Eles. Bem, ainda não parecem ter nenhum problema em aliar-se com Eles para… enganá-los e derrotá-los desde dentro? Para ser como Eles mas não tão Eles? Para minguar a velocidade da máquina, limar as presas da besta, humanizar a selvagem?

Sim, sabemos. Há uma montanha de argumentos para dar sustento a isto. Inclusive poderiam forçar alguns exemplos.

Porém…

Vocês nos dizem que somos iguais, que estamos na mesma, que é a mesma luta, o mesmo inimigo…. Mmh, não, não dizem “inimigo”, dizem “adversário”. De acordo, isto também depende do contexto.

Vocês que dizem que devemos tod@s nos unir porque não há outro caminho: ou as eleições ou as armas. E vocês, que neste argumento falaz sustentam seu projeto de invalidar tudo o que não se subordina ao reiterado espetáculo da política de acima, nos alertam: morram ou rendam-se. E até nos oferecem a cartada, porque, argumentam, como se trata de tomar o Poder, só há estes dois caminhos.

Ah!, e nós tão desobedientes: nem morremos, nem nos rendemos. E, como foi demonstrado no dia do fim do mundo: nem luta eleitoral, nem luta armada.

E se não se trata de tomar o Poder? Melhor ainda: e se o Poder já não reside neste Estado Nação, este Estado Zombie povoado de uma classe política parasita que pratica a rapina sobre as outras nações?

E se os eleitores que vocês são tão obcecados (por isso seu fascínio pelas multidões), não fazem senão votar por alguém que outros já escolheram, como vez após vez lhes demonstram Eles enquanto se divertem com cada novo truque que fazem?

Sim, claro, vocês se escondem atrás de seus preconceitos: os que não votam? “é por apatia, por desinteresse, por falta de educação, flertam com a direita”…seus aliados em tantas geografias, em não poucos calendários. Votam, mas não em vocês? “são de direita, ignoratnes, vendidos, traidores, mortos de fome, zombies!

Nota de Marquitos Spoil:Sim, nós simpatizamos com os zombies. Não só por nossa semelhança física (nem maquiagem necessitamos e ainda assim arrasaríamos no casting de “The Walking Dead”). Também e sobretudo porque pensamos, junto com George A. Romero, que, em um apocalipse zombie, a brutalidade mais enlouquecida seria obra da civilização sobrevivente, não a dos mortos que caminham. E se algum vestígio de humanidade sobrasse, brilharia nos párias de sempre, os mortos-vivos para os quais o apocalipse começa a nascer e nunca termina. Como agora mesmo acontece em qualquer canto de qualquer dos mundos que existam. E não há filme, nem quadrinho, nem série televisiva que dê conta dele.

O olhar de vocês está marcado pelo desprezo quando olham para abaixo (ainda que seja ao espelho), e de suspiros de inveja quando olham para acima.

Vocês não podem nem imaginar que alguém tenha outro interesse ao olhar este “acima”, que não seja como tirá-los de lá.

-*-

Olhar. Para onde e desde onde. Aí está o que nos separa.

Vocês creem que são os únicos, nós sabemos que somos mais um.

Vocês olham acima, nós abaixo.

Vocês olham como se acomodam, nós como servimos.

Vocês olham como dirigir, nós como acompanhar.

Vocês olham quanto se ganha, nós quanto se perde.

Vocês olham o que é, nós o que pode ser.

Vocês olham números, nós pessoas.

Vocês calculam estatísticas, nós histórias.

Vocês falam, nós escutamos.

Você olham como se vêem, nós olhamos o olhar.

Vocês nos olham e reclamam onde estávamos quando seu calendário marcava suas urgências “históricas”. Nós os olhamos e não lhes perguntamos onde estavam durante estes mais de 500 anos de história.

Vocês olham como aproveitar a conjuntura, nós como criá-la,

Vocês se preocupam pelos vidros quebrados, nós pela raiva que os quebra.

Vocês olham os muitos, nós os poucos.

Vocês olham muros intransponíveis, nós as rachaduras.

Vocês olham possibilidades, nós o que é impossível só até a véspera.

Vocês buscam espelhos, nós cristais.

Vocês e nós não somos o mesmo.

-*-

Vocês olham o calendário de acima e a ele subordinam a primavera das mobilizações, as massas, a festa, a rebeldia das multidões, as ruas repletas de músicas e cores, chamadas, desafios,os que já são muito mais que só cento e trinta e tantos, as praças cheias, as urnas ansiosas por encher-se de votos, e vocês correm rapidamente porque é-claro-que-lhes-falta-uma-direção-revolucionária-partidária-uma-política-de-alianças-ampla-flexível-porque-o-eleitoral-é-seu-destino-natural-mas-estão-muito-despreparad@s-são-pequeno-burgueses-lumpen-prole – número-de-votantes – potenciais-ignorantes-inexperientes-ingênu@s-lerdos-estúpidos, sobretudo estúpidos . E veem em cada ato massivo a culminação dos tempos. E depois, quando já não há multidões ansiosas por um líder, nem urnas, nem festas, decidem que se acabou, que não mais, que talvez em outra ocasião, que há que esperar 6 anos, 6 séculos, que há que olhar para o outro lado, mas sempre para o calendário de acima: a filiação, as alianças, os postos.

E nós, sempre com o olhar torto, remontamos o calendário, buscamos o inverno, nadamos rio acima, passamos pelo riacho, chegamos ao manancial. Aí vemos aqueles que começam, os poucos. Não lhes dizemos, não lhes saudamos, não lhes dizemos o que fazer, não lhes dizemos o que não fazer. Em troca os escutamos, os vemos com respeito, com admiração. E elas, eles, talvez nunca reparem nesta pequena flor vermelha, tão parecida com uma estrela, tão pequena que é apenas uma pedrinha, e que nossa mão deixa abaixo, próximo de seu pé esquerdo. Não porque queremos dizer-lhes assim que a flor-de-pedra era nossa, das zapatistas, dos zapatistas. Não para que tomem esta pedrinha e a lancem contra algo, contra alguém, ainda que não falte vontades e motivos. Mas talvez porque é nosso modo de dizer-lhes, a el@s e a tod@s noss@s compas da Sexta, que as casas e os mundos começam a se construir com pequenas pedrinhas e logo crescem e quase ninguém se recorda destes pedregulhos que começam, tão pequenos, tão pouca coisa, tão inúteis, tão sós, e então vem uma zapatista, um zapatista, e vê a pedrinha e a saúda e se senta ao seu lado e não falam, por que as pequenas pedras, comos os zapatistas, não falam…até que falam, e logo o caso, ou coisa, é que se calam. E não, não se calam nunca, o que passa é que logo não há quem escute. Ou talvez porque vimos mais longe no calendário e sabíamos, antes, que esta noite chegaria. Ou talvez porque assim lhes dissemos, ainda que não saibam, porém nós sabemos, que não estão sozinh@s. Porque são com @s pouc@s que as coisas iniciam e reiniciam.

-*-

Vocês não nos viram antes…e seguem sem nos olhar.

E, sobretudo, não nos viram olhando-os.

Não nos viram olhando-os em sua soberbia, estupidamente destruindo as pontes, socavando os caminhos, aliando-se com nossos perseguidores, depreciando-nos. Convencendo-se de que o que não existe na mídia, simplesmente não existe.

Não nos viram olhando-os e dizendo que assim ficavam em terra firme, que o possível é o terreno sólido, que cortavam amarras deste absurdo barcos de absurdos e impossíveis, e que eram estes loucos (nós) que ficávamos à deriva, ilhados, sós, sem rumo, pagando com nossa existência o ser consequente.

Puderam ver o ressurgimento como parte de suas vitórias, e agora o ruminam como mais uma de suas derrotas.

Vá, sigam seu caminho.

Não nos escutem, não nos olhem.

Porque com a Sexta e com @s zapatistas não se pode olhar nem escutar impunemente.

E esta é nossa virtude ou nossa maldição, depende de onde você olha e, sobretudo, de onde surge seu olhar.

(continuará…)

Desde qualquer canto, em qualquer dos mundos.

SupMarcos.

Planeta Terra.

Fevereiro de 2013.

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Reincidentes. Grupo de Rock, Sevilla, Espanha. Manuel J. Pizarro Fernández: Batería. Fernando Madina Pepper: Bajo y voz. Juan M. Rodríguez Barea: Guitarra y voz.  Finito de Badajoz “Candy”: Guitarra y voz.  Carlos Domínguez Reinhardt: Técnico de sonido. Versão rock de “Yo te nombro libertad” em vídeo dedicado à heróica luta do Povo Mapuche.

http://www.youtube.com/watch?v=j2rLm-jf4as&feature=player_embedded

Eduardo Galeano narra um conto deViejo Antonio: “La Historia de las Miradas“.

http://www.youtube.com/watch?v=WWjly5G63a4&feature=player_embedded

Joan Manuel Serrat cantando “El Sur También Existe“, de Mario Benedetti, em um concerto na Argentina, América Latina. Ao terminar de cantar, Serrat se dirige aos bastidores e traz para o palco Mario Benedetti, tão querido para nós. (minuto 3:01 adiante).

http://www.youtube.com/watch?v=TaKrfKjloUA&feature=player_embedded

Eles e Nós. V. A Sexta

Tradução feita por: amandac

Revisão: pendente

ELES E NÓS
V.- A SEXTA.
EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL.
MÉXICO.
Janeiro de 2013.
Para: @s companheir@s aderentes à Sexta Declaração da Selva Lacandona em todo o mundo.
De: As zapatistas, os zapatistas de Chiapas, México.
Companheiras, companheiros e “compañeroas“:
Compas das Rede contra a Repressão e pela Solidariedade:
Recebam todas, todos, as saudações das mulheres, homens, crianças e anciões do Exército Zapatista de Libertação Nacional, os menores de seus companheiros.
Decidimos que nossa primeira palavra especialmente dirigida a noss@s companheir@s da Sexta, seja conhecida primeiramente em um espaço de luta, como é a Rede contra a Repressão e pela Solidaridade. Mas as palavras, sentimentos e pensamentos que aqui se desenham tem como destinatário também aqueles que não estão presentes. E, sobretudo, são para el@s.
-*-
Gostaríamos de agradecer o apoio que têm brindado a nossas comunidades, a nossos companheiros bases de apoio zapatistas e aos compas aderentes presos em Chiapas, durante todo este tempo.
Em nosso coração estão guardadas suas palavras de alento e a mão coletiva que se entrelaçou com a nossa.
Estamos certos que um dos pontos a tratar em sua reunião será, ou já foi, levantar uma grande campanha em apoio ao compa Kuy, para denunciar a agressão de que foi objeto e demandar para ele e para todos os lesionados nesta data, e para exigir a liberdade absoluta de todos os detidos na Cidade do México e em Guadalajara na ocasião dos protestos contra a imposição de Enrique Peña Nieto como titular do Executivo Federal.
Não somente, mas também é importante que essa companha contemple arrecadar fundos para apoiar o compa Kuy com os gastos de hospitalização, e com os de suas posterior recuperação, que as zapatistas e os zapatistas desejam logo.
Para apoiar esta campanha de fundos, estamos mandando uma pequena quantidade de dinheiro em espécie. Pedimo-lhes que, ainda que pequena, a somem ao que estão reunindo para nosso companheiro de luta. Enquanto possamos reunir mais, faremos chegar a quem vocês disignem para este trabalho.
-*-
Quisemos aproveitar esta reunião que tem, não somente para saudar seu empenho, também e sobretudo, para saudar, através de vocês, a todos os compas no México e no mundo que se tem mantido firmes neste laço que nos une e que chamamos a Sexta.
Saibam que tem sido uma honra tê-los como “compañeroas”.
Sabemos que parece uma despedida, mas não o é. Somente significa que temos dado por terminada uma etapa no caminho que nos assinala a Sexta, e que pensamos que é necessário dar outro passo.
Não tem sido poucos os dissabores que temos padecido, as vezes juntos, as vezes cada qual em sua geografia.
Agora queremos explicar-lhes e comunicar algumas mudanças que faremos em nosso caminhar e no qual, se estão de acordo e nos acompanham, voltaremos, mas de outra forma, ao longo relato de dores e esperanças que antes se chamou a Outra Campanha no México e a Sexta Internacional no mundo, e que agora será simplesmente A Sexta. Agora iremos mais adiante, até…
O Tempo do “Não”, o Tempo do “Sim”.
Companheiras, Companheiros:
Definido quem somos, nossa história passada e atual, nosso lugar e o inimigo que estamos enfrentando, como está plasmado na Sexta Declaração da Selva Lacandona, segue pendente acabar de definir o por quê lutamos.
Definidos os “não”, falta acabar de delinear os “sim”.
E não só, falta também mais respostas aos “como”, “quando”, “com quem”.
Todos vocês conhecem que nosso pensamento não é construir uma grande organização com um centro diretor, um comando centralizado, um chefe, seja individual ou colegiado.
Nossa análise do sistema dominante, de seu funcionamento, de suas fortalezas e debilidades, nos tem levado apontar que a unidade de ação pode dar-se se se respeitam o que nós chamamos de “os modos” de cada qual.
E isto dos “modos” não é outra coisa que os conhecimentos que cada um de nós, individual ou coletivo, tem de sua geografia e calendário. Quer dizer, de suas dores e suas lutas.
Nós estamos convencidos que toda intenção de homogeneidade não é mais que uma intenção fascista de dominação, ainda que se oculte em uma linguagem revolucionária, esotérica, religiosa ou similar.
Quando se fala de “unidade”, se omite apontar que essa “unidade” é sob a chefia de alguém ou algo, individual ou coletivo.
Na falácia do altar da unidade não somente se sacrificam as diferenças, também se esconde a sobrevivência de todos os pequenos mundos de tiranias e injustiças que padecemos.
Em nossa história, a lição se repete uma e outra vez. E em cada volta ao mundo, sempre é para nós o lugar do oprimido, do depreciado, do explorado, do despojado.
As que chamamos “4 rodas do capitalismo”: exploração, despojo, repressão e descaso,  se repetem ao longo de toda nossa história, com diferentes nomes acima, porém nós somos sempre os mesmos abaixo.
Mas o atual sistema tem chegado a um estado de loucura extrema. Seu afã depredador, seu descaso absoluto pela vida, seu deleite pela morte e a destruição, seu empenho em instalar o apartheid para todos os diferentes, quer dizer, todos os de baixo, está levando a humanidade ao seu desaparecimento como forma de vida no planeta.
Podemos, como alguém pudera aconselhar, esperar pacientemente que os de cima acabem por destruirem a si mesmos, sem reparar que sua insana soberbia leva à destruição de tudo.
Em seu afã de estar mais e mais acima, dinamitam os andares de baixo, os cimentos. O edifício, o mundo, terminará por colapsar e não haverá quem culpar como responsável.
Nós pensamos que sim, que algo anda mal, muito mal. Mas que se, para salvar a humanidade e a maltratada casa em que habitam, alguém se tem que ir, deve ser, precisa ser os de cima.
E não nos referimos a desterrar as pessoas de cima. Falamos de destruir as relações sociais que possibilitam que alguém esteja acima as custas que alguém esteja abaixo.
Os zapatistas, as zapatistas sabemos que esta grande linha que temos traçado sobre a geografia do mundo não é nada clássica. Que isto de “acima” e o “abaixo” molesta, incomoda e irrita. Sim, não é o único que irrita, o sabemos, mas agora estamos nos referindo a este incômodo.
Podemos estar equivocados. Seguramente estamos. Já apareceram os policiais e comissários do pensamento para nos julgar, condenar e executar. Tomara que só o seja em seus flamejantes escritos e não escondam sua vocação de carrascos atrás da de juízes.
Porém assim é como os zapatistas, as zapatistas vemos o mundo e seus modos:
Há machismo, patriarcado, misoginia, ou como se chame, mas uma coisa é ser mulher de acima e outra completamente diferente sê-la de abaixo.
Há homofobia sim, mas uma coisa é ser homossexual de acima e outra é sê-lo de abaixo.
Há descaso ao diferente sim, mas uma coisa é ser diferente acima e outra sê-lo de abaixo.
Há esquerda como alternativa à direita, mas uma coisa é ser de esquerda acima e algo completamente diferente (e oposto, acrescentamos nós) sê-lo de abaixo.
Ponham vocês sua identidade neste parâmetro que assinalamos e verão isto que lhes dissemos.
A identidade mais traiçoeira, em alta cada vez que o Estado moderno entra em crise, é a de “cidadania”.
Não tem nada em comum e sim tudo de oposto e contraditório o “cidadão” de acima e o “cidadão” de abaixo.
As diferenças são perseguidas, segregadas, ignoradas, depreciadas, reprimidas, despojadas e exploradas, sim.
Mas nós, vemos uma diferença maior que atravessa estas diferenças: o acima e o abaixo, os que possuem e os que não possuem.
E vemos que essa grande diferença tem algo de substancial: o acima está acima sobre o de baixo; o que tem possui porque despoja os que não tem.
Sempre segundo nós, isto de acima e abaixo determina nossos olhares, nossas palavras, nossos ouvidos, nossos passos, nossas dores e nossas lutas.
Talvez haja outra oportunidade para explicar mais de nosso pensamento sobre isto. Por ora só diremos que olhares, palavras, ouvidos e passos de acima tendem à conservação desta divisão. Claro que isso não implica imobilidade. O conservadorismo parece estar muito distante de um sistema que descobre mais e melhores formas de impor as 4 feridas que o mundo de abaixo padece. Porém estas “modernizações” ou “progressos” não tem outro objetivo que conservar acima os de acima da única forma em que é possível, quer dizer, sobre os de abaixo.
O olhar, a palavra, o ouvir e os passos de abaixo, segundo nós, são determinados pelo questionamento: Por quê assim? Por quê el@s? Por quê nós?
Paraimpor respostas a estas perguntas, ou para evitar que as façamos, se tem construído catedrais gigantescas de idéias, algumas mais ou menos elaboradas, a maioria das vezes tão grotescas que não só se admira que alguém as tenha elaborado e alguém nelas acredite, também que se tem construído universidades e centros de estudos e análises sustentados nelas.
Mas sempre aparece um estraga-prazeres que arruina os sucessivos festejos de culminação da história.
E ess@ desgraçad@ responde a estas perguntas com outra: “Poderia ser de outra forma?”
Esta pergunta talvez possa ser a que detona a rebeldia em sua acepção mais ampla. E pode sê-la porque há um “não” que a pariu: não tem por por que ser assim.
Desculpem se este confuso rodeio os irritou. Atribuam-o vocês ao nosso modo, ou a nossos usos e costumes.
O que queremos dizer, companheiras, companheiros, compañeroas, é que o que nos convocou na Sexta foi este “não” rebelde, hereje, grosseiro, irreverente, molesto, incomodo.
Chegamos aqui porque nossas realidades, nossas histórias, nossas rebeldias nos levaram a esse “não tem por por que ser assim”.
Isso e que, intuitivamente ou elaboradamente, temos respondido “sim” à pergunta “Poderia ser de outra forma?”

Falta responder às perguntas que se atropelam depois desse “sim”.

Como é essa outra maneira, esse outro mundo, essa outra sociedade que imaginamos, que queremos, que necessitamos?

O que é preciso fazer?
Com quem?
Teremos que buscar as respostas a estas perguntas se não as temos. E se as temos, devemos dar a conhecer entre nós.
-*-
Neste novo passo, porém no mesmo caminho da Sexta Declaração da Selva Lacandona, como zapatistas que somos trataremos de aplicar algo do que aprendemos nestes 7 anos e faremos mudanças no ritmo e na velocidade do passo, sim, mas também em companhia.
Sabem vocês, um dos muitos e grandes defeito que temos as zapatistas, os zapatistas, é a memória. Recordamos quem esteve, quando e onde, que disse, que fez, que calou, que desfez, que escreveu, que apagou. Recordamos  os calendários e as geografias.
Que não nos interprete mal. Não julgamos ninguém, cada qual constrói como pode sua desculpa para o que faz e desfaz. O avanço teimoso da história dirá se foi um acerto oou um erro.
De nossa parte, os temos visto, os temos escutado, com tod@s temos aprendido.
Já vimos quais foram os que só se aproximaram paratirar proveito político próprio da Outra Campanha, quem vai brincando de uma mobilização a outra, seduzidos pelas massas, e dissimulando assim sua incapacidade de construir algo por si mesmos. Um dia são anti eleições, outro dia despontam suas bandeiras na mobilização da moda; um dia são professores, em outro estudantes; um dia são indigenistas, em outro se aliam com latifundiários e paramilitares. Clamam pelo fogo justiceiro das massas, e desaparecem quando chegam os jatos d’água dos tanques anti-motins.
Não voltaremos a caminhar junto com eles.
Já vimos quais são os que aparecem quando há palanques, discursos, boa imprensa, atenção, e desaparecem na hora do trabalho sem visibilidade porém necessário, como a maioria dos que aqui escutam ou lêem esta carta sabem. Todo este tempo, nosso olhar e nosso escutar não foram para aqueles que estavam acima dos placos, e sim para os que o levantaram, os que fizeram a comida, varreram, cuidaram, dirigiram, manejaram, volantearam, como se diz por aí. Também vimos e escutamos aqueles que subiram em cima dos demais.
Não voltaremos a caminhar junto com eles.
Já vimos quem são os profissionais das assembleias, suas técnicas e táticas para destruir as reuniões de modo que só eles, e aqueles que os seguem, ficam para aprovar suas propostas. Distribuem derrotas por onde aparecem dirigindo as mesas moderadoras, se opondo aos “yuppies” e “pequeno burgueses” que não entendem que na ordem do dia se joga o futuro da revolução mundial Os que vem mal qualquer movimento que não termine em uma assembleia conduzida por el@s.
Não voltaremos a caminhar junto com eles.
Já vimos quais são os que se apresentam como lutadores pela liberdade dos presos e presas nos eventos e campanhas, mas que nos demandaram abandonar os presos de Atenco e continuar o percurso da Outra Campanha porque já possuíam sua estratégia e seus eventos programados.
Não voltaremos a caminhar junto com eles.
-*-
A Sexta é uma convocatória. Convocar não é unir. Não pretendemos unir sob uma direção, nem zapatista nem de qualquer outra filiação. Não buscamos cooptar, recrutar, suplantar, aparentar, simular, enganar, dirigir, subordinar, usar. O destino é o mesmo, mas a diferença, a heterogeneidade, a autonomia dos modos de caminhar, são a riqueza da Sexta, são sua força. Oferecemos e ofereceremos respeito, e demandamos e demandaremos respeito. À Sexta se adere sem mais requisitos que o “não” que nos convoca e o compromisso de construir o “sim” necessário.
-*-
Compañeroas, companheiros, companheiras:
Por parte do EZLN lhes dizemos:
1.- Para o EZLN já não haverá uma Outra Campanha nacional e uma Sexta Internacional. A partir de agora caminharemos junto àqueles que convidamos e nos aceitam como compas, o mesmo que na costa de Chiapas e que a da Nova Zelandia.
Assim que o território do nosso acionar está agora claramente delimitado: o planeta chamado “Terra”, localizado no chamado Sistema Solar.
Seremos agora o que somos de fato: “A Sexta”.
2.- Para o EZLN, ser da Sexta não requer afiliação, cota, inscrição em lista, original e/ou cópia de uma identificação oficial, comprovante de renda, estar no lugar do juíz, ou do jurado, ou o acusado, ou o verdugo.  Não há bandeiras. Há compromissos e consequências destes compromissos. Nos convocam os “não”, nos move a construção dos “sim”.
2.- Quem, com o ressurgimento do EZLN, esperam uma nova temporada de palanques e grandes concentrações, e as massas juntando-se ao porvir, e os equivalentes aos assaltos ao palácio de inverno, se desiludirão. É melhor que partam de uma vez.  Não percam tempo, e não nos façam perder tempo. A caminhada da Sexta é longa, não para anões de pensamento. Para ações “históricas” e “conjunturais” há outros espaços onde seguramente encontrarão acômodo.  Nós não queremos apenas trocar de governo, queremos trocar de mundo.
3.- Ratificamos que como EZLN não nos aliaremos a nenhum movimento eleitoral no México. Nossa concepção tem sido clara sobre isto na Sexta e não há variação. Entendemos que haja quem pense que é possível transformar as coisas desde cima sem converter-se em mais um deles. Oxalá as desilusões consecutivas não os levem a converter-se nisso que lutam contra.
4.- Nossa palavra que lhes proponha iniciativas organzativas, políticas e de difusão será EXCLUSIVA para aqueles que nos requiram e aceitemos, e enviadas pelo e-mail da página eletrônica aos endereços que temos. Também aparecerão na página do Enlace Zapatista, mas só poderá acessar seu conteúdo completo por meio de uma senha que irá mudando continuamente. Essa senha a faremos chegar de algum modo, porém será fácil de deduzir para quem lê com atenção o que se vê e para quem aprendeu a decifrar os sentimentos que se fazem letras em nossa palavra.
Cada individu@, grupo, coletivo, organização ou como se chame, tem o direito  a liberdade de passar-lhe essa informação a quem creia conveniente. Tod@s @s aderentes à Sexta terão o poder de abrir a janela de nossa palavra e de nossa realidade a quem desejem. A janela, não a porta.
5.-  O EZLN lhes pede paciência para ir dando a conhecer as iniciativas que, durante 7 anos, temos amadurecido, e cujo principal objetivo será que estejam em contato com as bases de apoio zapatistas na forma que, em minha humilde opinião e larga experiência, é a melhor: como alunos.
6.- Por enquanto somente lhes adiantamos que quem possa e queira, e que seja convidado expressamente pela Sexta-EZLN, vá juntando o varo, o dinheiro, o money ou como se diga a moeda de câmbio em cada parte do planeta, para estar em possibilidades de viajar a terras zapatistas em datas necessárias. Mas depois lhes diremos mais detalhes.
Para terminar esta carta  (que, como é evidente, tem a desvantagem de não possuir um vídeo ou uma  música que a acompanhe e complete em sua versão lida), queremos mandar o  melhor de nossos abraços (e só temos um) aos homens, mulheres, crianças  e anciões, grupos, organizações, movimentos, ou como cada qual se nomeie, que em todo o tempo não nos afastaram de seus corações, e resistiram e apoiaram como companheiras, companheiros e “compañeroas” que somos.
Compas:
Somos a Sexta.
Nos vai custar muito.
Não serão menores nossas dores ao nos abrirmos para aqueles que sofrem em todo o mundo. O caminho será mais tortuoso.
Batalharemos.
Resistiremos.
Lutaremos.
Morreremos talvez.
Porém uma, dez, cem, mil vezes, sempre venceremos sempre.
Pelo Comitê Clandestino Revolucionário Indígena – Comando Geral do Exército Zapatista de Libertação Nacional.
A Sexta – EZLN
Subcomandante Insurgente Marcos.
Chiapas, México, Planeta Terra.
Janeiro de 2013.
P.S.- Por exemplo, a senha para ver este escrito na página é, como é evidente, “marichiweu“, assim, com aspas e começando à esquerda.

Eles e Nós. IV. As dores de abaixo.

Tradução feita por: amandac

Revisão: pendente

ELES E NÓS

IV. – As dores de abaixo
Janeiro de 2013.
“Quantas vez nos parou na rua
uma viatura pelo delito de 
“ter cara” suspeita e depois de uns golpes e de ser 
extorquido nos deixam ir? “
Repressão e Criminalização”, Cruz Negra Anarquista-México. Janeiro/2013
E os jovens que agora mesmo vem em ti um herói e um exemplo de
pessoa que foi injustamente castigada por um sistema repressor? – 
– Herói não. Herói é cada um dos jovens que saem cada dia À
rua organizando-se para mudar esta sociedade injusta e este sistema
econômico, político. E se organizam, se defendem… Que não temam, 
que o medo vai mudar de bando(1) –  
Alfonso Fernández, levado preso nos protestos do 14N, na Espanha,
entrevistado por Shangay Lily, em Kaos en la Red.Janeiro de 2013.
É necessário um inimigo para dar ao povo uma esperança. (…)
Agora veja, o sentimento de identidade se funde ao ódio aos que não são iguais.
Há que cultivar o ódio como paixão civil. O inimigo é o amgos dos povos.
Faz falta a quem odiar para sentir-se justificados em sua própria miséria. 
Sempre. O ódio é a verdadeira paixão primordial”
Umberto Eco. O Cemitério de Praga.
Onde e quando começa a violência?
Vejamos.
Frente a um espelho, em qualquer calendário e em qualquer geografia…
Imagine que você é diferente da maioria das pessoas.
Imagine que você é algo muito “outro”.
Imagine que você possui determinada cor de pele ou de cabelo.
Imagine que o desprezam e o humilham, que o perseguem, que o prendem, que o matam por isso, por ser diferente.
Imagine que desde que nasce, todo o sistema te diz e te repete que você é estranho, anormal, doente, que deve arrepender-se do que é e que, depois de culpar a má sorte e/ou a justiça divina, deve a todo custo fazer o possível para modificar este “defeito de fabricação”.
E claro, olhe você, precisamente temos um produto que simplesmente
faz m-a-r-a-v-i-l-h-a-s com defeitos congênitos. Este pensamento o alivia
da rebeldia e este tão incômodo estar reclamando de tudo. Este creme muda
sua cor de pele. Esta tinta para o cabelo te dá a tonalidade da moda.
Este curso de “como ganhar amig@s e ser popular na rede” te dá
todo o necessário para ser uma pessoa moderna. Este tratamento te
devolverá a juventude. Este dvd te mostrará como portar-se à mesa,
na rua, no trabalho, na cama, nos assaltos ilegais (ladrões), nos
assaltos legais (bancos, governos, eleições, empresas legalmente estabelecidas),
nas reuniões sociais… Quê? Oh, não te convidam para as reuniões sociais?…
ok, também te indica o que fazer para que o convidem.
Enfim, aqui saberá você o segredo de como triunfar na vida. Deixe para trás
Lady Gaga e Justin Bieber em número de seguidores no twitter! Inclui
uma máscara segundo sua escolha. Temos todas! Também a de CSG(2)…
ok, ok, ok, este foi um péssimo exemplo, mas sim temos uma para cada necessidade.
Que já não te olhem com asco! Que já não te chamem de maloqueir@, índi@,
negr@, região 4, zombie, filozapatista!
Imagine você que, apesar de todos seus esforços e boas ações, não consegue ocultar sua cor de pele ou de cabelo.
Agora imagine que se lança uma campanha para eliminar tod@s que são como você.
Não é que haja um evento para dar-lhe início, ou uma lei que o estabeleça, contudo você se dá conta de que todo o sistema começa a andar e dirigir-se contra você, e contra aqueles que são como você. Toda a sociedade convertida em uma máquina cujo propósito inicial é aniquilá-lo.
Primeiro há os olhares de reprovação, asco, desprezo. Seguem os insultos, agressões. Depois há detidos, deportados, encarcerados. Logo mortos por aqui e por lá, legal e ilegalmente. Finalmente uma campanha formada, a máquina em toda sua potência, para sumir com você e tod@s @s que se assemelham. A identidade daqueles que formam a sociedade se firma com o ódio contra você. Sua culpa? Ser diferente.
-*-
Ainda não percebe?
Ok, imagine então que você é…(ponha você o masculino, feminino, ou outro, segundo seu caso).
Um indígena em um país dominado por estrangeiros. Uma revoada de helicópteros militares se dirige às suas terras. A imprensa dirá que a ocupação do parque eólico impedia a diminuição da contaminação ou que a selva estava sendo destruída. “A desocupação era necessária para reduzir o aquecimento global”, secretário de governo.
Um negro em uma nação dominada por brancos. Um juíz WASP(3) vai ditar a sentença. O Juri o declarou culpado. Entre as provas apresentadas pela fiscalização está uma análise da pigmentação da sua pele.
Um judeu na Alemanha nazista. O oficial da Gestapo o olha fixamente. Em breve o informe dirá que se foi depurada a raça humana.
Um palestino na Palestina atual. O míssil do exército israelense aponta para a escola, o hospital, o bairro, a casa. Amanhã a mídia dirá que se abateram alvos militares.
Um imigrante no outro lado de qualquer fronteira. Se aproxima uma patrula da imigração. No dia seguinte não aparecerá nada nos noticiários.
Um padre, monge, secular que optou pelos pobres, em meio a opulência do Vaticano. O discurso do Cardeal é dirigido contra aqueles que se envolvem em coisas terrenas.
Um vendedor ambulante em um centro comercial exclusivo em uma zona residencial exclusiva. A Tropa de Choque estaciona. “Defendemos o livre comércio”, declarará o delegado governamental.
Uma mulher sozinha, de dia ou de noite, em um transporte público cheio de homens. Uma pequena porção da “violência de gênero”. O agente policial dirá: “é que elas provocam”.
Um gay sozinho, de dia ou de noite, em um transporte público cheio de machos. Uma pequena porção da “violência homofóbica”.
Uma trabalhadora do sexo em uma rua estranha e esquina vazia… se aproxima uma viatura. “O governo combate a prostituição com eficácia” dirá a imprensa.
Uma punk, um rastafari, uma skatista, um cholo, uma metaleira, na rua, a noite… se aproxima outra viatura. “Estamos inibindo as condutas anti-sociais e o vandalismo”, chefe de governo.
Um grafiteiro pixando no World Trade Center… se aproxima uma outra viatura. “Faremos todo o necessário para ter uma cidade bela e atrativa para o turismo”, qualquer funcionário.
Um comunista em uma reunião do partido fascista de direita. “Estamos contra os totalitarismos que fizeram tanto dano no mundo”, o presidente do partido.
Um anarquista em uma reunião do partido comunita. “Estamos contra os desvios pequeno-burgueses que fazem tanto dano à revolução mundial”, o secretário geral do partido.
Um programa do jornal “31 minutos”(4)  na barra informativa da CNN. Tulio Triviño e Juan Carlos Bodoque se entreolham desconcertados, não dizem nada.
Um grupo alternativo de música vendendo seu CD em um show da Lady Gaga, Madonna, Justin Bieber, ou seja o que escutem. A policial se aproxima. Os fãs gritam raivosos.
Uma artista dançando fora do grande centro cultural onde se apresenta o Ballet Bolshoi (sim-de-gala-só-com-convite-sentimos-muito-senhorita-você-está-incomodando). A segurança reestabelece a tranquilidade.
Um idoso em uma reunião presidida pelo ministro japonês de finanças Taró Asó (estudou em Stanford e há pouco pediu às pessoas idosas “que se apresassem em morrer” porque sai muito caro que sigam vivos). Se corta mais um gasto social.
Um Anonymous criticando o “copyright” em uma conferência da Microsoft-Apple. “Um perigoso hacker atrás das grades”, apontarão os meios de comunicação.
Um jovem Mapuche que, no Chile, reivindica o território de seus antepassados enquanto vê se aproximar os tanques e o verde ofensivo dos carabineiros. A bala que o fere mortalmente nas costas seguirá impune.
Um jovem e/ou estudante ou desempregadon em um quartel do exército-polícia-guarda civil-carabineiros. O último que escutou? “Disparem!”
Um “comunero” nahua nas oficinas de uma empresa mineradora transnacional. Uniformizados o sequestram. “Estamos investigando“, respectivos governos.
Um dissidente frente aos muros de metal cinza levantados, enquanto do outro lado a classe política mexicana engole o sapo de mais uma imposição. Recebe o golpe de uma bala de borracha que o faz perder um olho ou lhe rompe o crânio. “Se chama a unidade pelo bem do país. Hora de deixar as rivalidades para trás“, cabeças de noticiários.
Um campesino frente a um exército de advogados e policiais escutando que a terra onde trabalha, onde nasceram e cresceram seus pais, seus avós, seus tataravós, e assim até que o tempo se confunde, é agora propriedade de uma empresa imobiliária e que você está despojando os pobres empresários de algo que legalmente os pertence. A prisão.
Um opositor à fraude eleitoral que vê como são exonerados os 40 ladrões e seus puxa-sacos(5). A piada: “há que virar a página e olhar adiante”.
Um homem ou uma mulher que se aproxima para ver o que é a mobilização e logo é “encapsulada” pelas forças de ordem. Enquanto a ou o empurram, golpeiam e chutam para levar-la à viatura, você consegue ver que as câmeras dos famosos canais de televisão estão apontando para o outro lado.
Um indígena zapatista na prisão do mau governo (PRI-PAN-PRD-PT-MC) desde muitos anos. Lê no jornal: “Por quê o EZLN reaparece justamente agora que o PRI retornou ao Poder? Muito suspeito.”
-*-
Nos segue?
Agora…
Sente a certeza de estar fora de lugar?
Sente o medo de ser ignorad@, insultad@, golpead@, enganad@, humilhad@, violad@, encarcerad@, assassinad@ somente por ser quem é?
Sente a impotência de não poder fazernada para evitar, para defender-se, para ser escutado?
Amaldiçoou você o momento em que se meteu neste lugar, o dia em que nasceu, a hora em que começou a ler este texto?
-*-
Vários destes exemplos acima mencionados possuem nome, calendário e geografia:
Juan Francisco Kuykendall Leal. O compa Kuy, da Sexta, professor, dramaturgo, diretor de teatro. Crânio destruído em 1º de dezembro de 2012 por um disparo das “forças de ordem”. Planejaba fazer uma obra de teatro sobre Enrique Peña Nieto.
José Uriel Sandoval Díaz. Jovem estudante da Universidade Autônoma da Cidade do México, e integrante do Conselho Estudantil de Luta. Perdeu um olho na repressão do 1º de dezembro de 2012, a raíz do ataque das “forças de ordem”. Planejava resistir à imposição de Enrique Peña Nieto.
Celedonio Prudencio Monroy. Indígena Nahua. Sequestrado em 23 de outubro de 2012 pelas “forças de ordem”. Planejava resistir ao despojo das terras nahuas por parte das mineradoras e madereiras.
Adrián Javier González Villarreal. Jovem aluno da Faculdade de Engenharia Mecânica e Elétrica da Universidade Autônoma de Nuevo León, México, assassinado em janeiro de 2013 pelas “forças de ordem”. Planejava graduar-se e ser um profissional respeitado.
Cruz Morales Calderón e Juvencio Lascurain. Campesinos presos em Veracruz, 2010-2011, pelas “forças de ordem”. Planejavam resistir ao despojo de suas terras por parte de empresas imobiliárias.
Matías Valentín Catrileo Quezada. Jovem indígena Mapuche, assassinado em 3 de janeiro de 2008, no Chile, América Latina, pelas “forças de ordem”. Planejava resistir ao despojo da terra mapuche por parte do governo, latifundiários e empresas transnacionais.
Francisco Sántiz López, indígena zapatista, preso injustamente pelas “forças de ordem”. Planejava resistir à contrainsurgência governamental de Juan Sabines Guerrero e Felipe Calderón Hinojosa.
-*-
Agora… não se desespere, já quase terminamos….
Agora imagine você que não tem medo, ou que se tem, o controla.
Imagine que você vai e, frente ao espelho, não somente não oculta ou maqueia sua diferença, mas sim a reforça.
Imagine que você faz este “ser diferente” um escudo e uma arma, se defende, encontra outr@s como você, se organiza, resiste, luta, e, sem dar-se conta, pasa do “sou diferente” ao “somos diferentes”.
Imagine que você não se esconde atrás da “maturidade” e a “sensatez”, atrás do “não é a hora”, “não há condições”, “há que esperar”, “é inútil”, “não há remédio”.
Imagine que não se vende, que não cede, que não se rende.
Pode imaginar?
Bem, pois ainda que nem nós nem você saibamos, somos parte de um “nós” maior e ainda por construir.
(continuará…)
Desde qualquer canto, em qualquer dos mundos.
SupMarcos.
Planeta Terra.
Janeiro de 2013.
NOTAS
1) “el miedo va a cambiar de bando” é uma canção do projeto “Riot Propaganda. United Artists of Revolution” projeto das bandas “Los Chikos del Maíz” e “Habeas Corpus”.
2) Carlos Salinas de Gortari
3) [White Anglo Saxon Protestant]
4) “31 Minutos” é um programa chileno de televisão que parodia os telejornais. Tulio Triviño e Juan Carlos Bodoque são dois fantoches que apresentam o programa.
5) “40 ladrões” (como em Ali Babá e seus 40 ladrões) refere-se aos 30 governadores e membros do gabinete presidencial que auxiliaram o lançamento da “Cruzada Nacional contra a Fome”, de Enrique Peña Nieto em Las Margaritas, Chiapas, mas também é utilizado pelo Subcomandante Insurgente Marcos e @s zapatistas como uma maneira de se referir à classe política mexicana em geral.

Carta a Luis Héctor Álvarez

EJÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERACIÓN NACIONAL.
MÉXICO.
Novembro – Dezembro de 2012.

“Quase todos os homens preferem negar a verdade antes de enfrentar-se a ela.” Tyrion Lannister a Jon Snow.

“Se não tem nada que temer, um covarde não se distingue em nada de um valente. E todos cumprimos com nosso dever quando não nos custa nada. Nestes momentos,
seguir o caminho da honra nos parece muito simples. Mas na vida de todo homem, cedo ou tarde, chega um dia em que não é simples, e tem que eleger.” Mestre Aemon Targaryen a Jon Snow.

Para: Luis Héctor Álvarez Álvarez.
Em algum lugar de México (isso espero).

De: Subcomandante Insurgente Marcos.
Chiapas, México.

Senhor Álvarez…

Errr… Permita-me um momento, senhor Álvarez, esta parte é para explicar um pouco de onde vêm as epígrafes:

As citações são do livro: Canção de Gelo e Fogo. Tomo I: Jogo de Tronos. 1996. George R.R. Martin. A série televisiva Jogo de Tronos, que toma o nome do primeiro tomo da saga, não está nada mal (Peter Hayden Dinklage, quem dá imagem e voz a Tyrion Lannister, sobresai, paradoxicamente, por cima dos demais atores e atrizes; Jon Snow é interpretado por Kit Harington, e o Mestre Aemon Targaryen por Peter Vaughan) e as 2 primeiras temporadas se podem conseguir a módico preço com seu vendedor de dvd favorito (diga sim à pirataria).

O dvd que vi foi um presente involuntário do comércio informal no Eixo Central, México D.F., (a dizer, alguém o comprou aí e me mandou)… ups, o governo de “esquerda” do DF vai me aplicar o artigo 362, porque, aceitem-no, dá para tudo (seriam a inveja de Gustavo Díaz Ordaz… oh, oh, esse artigo foi proposto em 2002 pelo então chefe de governo do DF, Andrés Manuel López Obrador, e apoiado pela ALDF de maioria perredista… mmh… esta parte não a coloquem… não vão dizer que estou a serviço da direita… já vêem que sempre me preocupa em extremo o que se diz de mim.)

Um pouco pixelada a imagem, mas se vê e se escuta bem. Bom preço, me dizem; em todo caso, mais barato que pagar HBO, e sem a ansiedade de ter que esperar a semana seguinte para saber o quê passou com o pequeno Bran (Isaac Hempstead Wright), ou com a deslumbrante Daenerys Targaryen (Emilia Clarke).

Sem dúvida eu também os recomendaria ler os livros -sim, já sei que a moda sexenal não é ler livros e que é mais barato o gel para o cabelo-, mas uma vantagem é que pode-se tomar un curso de filosofia prática (ah, os paradoxos) com os diálogos de Tyrion Lannister (quem, segundo me dizen, é uma projeção literária do senhor George R. R. Martin). Outra vantagem é que podem “espalhar” (oo como se diga) a ==mansalva== em seus blogs favoritos. Mesmo que se ganhe a inimizade de muit@s, seus pontos (mesmo negativos) por postear subirão apreciavelmente. Isso sim, não abusem, porque se os ocorre dizer que em “Dança de Dragões”… ok… ok…ok… me calo… diga não ao espalhamento.

De nada.
Atentamente:
Marquitos Espalhador.

Agora sim:

Senhor Álvarez Álvarez:

A presente não é somente para reafirmar o que o silêncio multitudinário do 21 de dezembro deve ter deixado claro a você, à classe política e ao governo de Ação Nacional, em geral, e a Felipe Calderón Hinojosa em particular:

Fracassaram.

Oh, não há drama. Já outros governos já tinham tentado antes.. e seguirão tentando.

Mas, senhor Álvarez, seu fracasso não deve buscá-lo em nós, nem sequer no pouco professionalismo de seu nada inteligente serviço de inteligência (mesmo que agora saibam que foram e são uns sem-vergonha). Quem pensa que um zapatista, qualquer um de nós, acudiria a um governo de criminosos para pedir ajuda se estivesse doente? Quem pode pensar racionalmente que os zapatistas se levantaram por dinhero?

Somente a mentalidade de conquistador demodé (cujo melhor exemplo é Diego Fernández de Cevallos) que os inculcam em seu partido político, Ação Nacional, pode haver-lhes permitido tragar-se com entusiasmo essa roda de moinho.

E não se necessitava inteligência, senão minimamente ler os jornais ou escutar os noticiários de antes: os bandidos que se apresentarão diante de você como “amigos próximos ao Sup Marcos”, são os mesmos que simularam uma rendição e “entrega de armas” ao nefasto Croquetas Albores em 1998, simulando ser zapatistas, e que são alguns conhecidos comparsas que já não enganam ninguém… bem, a você sim. Quanto os tiraram? A diferença é que Croquetas sabia que era um tatro e pagou por ele (e para que os meios apresentassem o balneario do Jataté, fora da rodovia municipal de Ocosingo, como se fosse “na selva lacandona”), e a você não só o enganaram, mas até o colocou em um livro.

E não conformado com isso, convida você, na apresentação deste libro, a Felipe Calderón Hinojosa, bêbado de sangue e álcool, que não somente balbuciou incoêrencias, mas também distribuiu aos meios a versão estenográfica. Claro que os meios cobraram dobrado: não por publicá-la, mas por não publicá-la, posto que era patente o estado de ebriedade de quem proferiu essas palavras. Creio que agora é claro que Felipe Calderón Hinojosa mentiu até o último minuto e que é uma invençãon descarada o que assinala em seu último informe de governo. O único acercamento que teve seu governo com “representantes e enviados do EZLN” foi aquele de seus exércitos, polícias, juizes e paramilitares.

Mas, bem, agora já sabe, senhor Álvarez, o que é ser desprezado pelo que o implacável calendário viu.

Como os indígenas, xs idosos são desprezados. E como símbolo desse desprezo, vão as monedas das migalhas, ou, em seu caso, o afronto do engano, o insulto de ser ignorado, as chacotas às suas costas.

Mas há uma diferença, uma diferença pequena, mas dessas que fazem girar a roda da história: enquanto você pagou (com dinheiro que não era seu, seja dito) por ser burlado (e até fazer um livro); nós homens e mulheres, indígenas e zapatistas, castigamos seu desprezo com nosso silencioso e alargado andar.

Porque bem sabemos que também o vendem a idéia de que será recordado por sua luta pela democracia (em realidade, sua luta por poder, mas ali acima gostam de transtornar ambos os termos), mas não. Mesmo que pouco, poderia ser recordado por haver sido cúmplice (ou funcionário, dá no mesmo) do governo mais criminoso que, desde Porfirio Díaz, este país padeceu.

E aqui, em terras indígenas zapatistas, poderia ser lembrado como parte de um governo a mais que tratou de nos render (ou comprar, é o mismo) e, como foi evidente pelo estridente silêncio de São Cristóbal de Las Casas, Altamirano, Las Margaritas, Palenque e Ocosingo, um mais que fracassou.

Porque a classe política e aqueles que vivem de sua estupidez, haverão de apagar-se sem que ninguém os leve em conta (se por acaso, somente para agradecer que já não estorvem), e nada serão, como não sejam um número a mais na dilatada lista dos enganados pelo sonho de serem “históricos”.

E repare que não questionamos sua moralidade. É sabido que toda gangue de criminosos, como a que você serviu esses anos, busca a quem lhes dê um rosto amável e bondoso, com esse rosto uma cartada, ocultando sua identidade depredadora.

Creio que já o sabes senhor Álvarez, no topo de todo o espectro político, todos são iguais. Mesmo que algumas e alguns ingênu@s venham a descubrir até que padeçam a injustiça em carne própia, enquanto a ignoraram quando essa injustiça se repartia cotidianamente em outras geografias próximas ou longínquas.

Seus companheiros de partido, que lucraram com o sangue de inocentes, e agora lamentam que para o mercado houvera pessoas que pagaram-cobraram mas, todos, não são senão um bando de criminosos que feze faz grotescas contorsões ao desatinado ritmo que os meios lhes marcam.

Orgulha-se se haver sido parte de uma equipe com um quadrilheiro como Javier Lozano Alarcón, que teve que esconder-se no senado para não ser chamado a acertar contas com a justiça? Você sente-se bem por ter sido companheiro de Juan Francisco Molinar Horcasitas, um criminoso com as mãos manchadas de sangue de jovens?

E, mesmo que as vezes os paradoxos sejam cômicos, outras são trágicos.

Seu partido político, Ação Nacional, foi um dos que encabeçaram, desde o amanhecer de 1994, os gritos histéricos contra nós, pedindo que nos aniquilassem, porque ameaçávamos consumir o país em um banho de sangue. E resultou que foram vocês, tornados governo, aqueles que extenderam o terror, a angústia, a destruição e a morte a tpds os rincões do nosso já maltratado país.

E o que me diz quando os membros da bancada de seu partido (junto com a do PRI e do PRD), votaram contra os Acordos de San Andrés pelos quais você trabalhou, advertindo que esses acordos significavan a fragmentação do país. E foi seu partido, senhor Álvarez, quem entrega uma Nação em cacos.

Mas console-se, senhor Álvarez, o afã dos seus de passar à história será recompensado. Terão uma linha, talvez, entre os passados por trapaceiros.

Mas também nas páginas dos livros de história e geografia, nas escolas zapatistas, em um parágrafo se lerá:

“O mal governo de Felipe Calderón Hinojosa é conhecido como o que levou a morte absurda à todos os rincões do México, ofereceu à vítimas e algozes a injustiça, e deixou, como sangrento auto- homenagem o crime feito cogoverno, seu monumento. Se Porfirio Díaz deixou o Anjo da Independência, Felipe Calderón deixou a Estrela de Luz. Sem querer, ambos anunciaram assim o fim de um mundo, e mesmo que demore, demorará a enterder.”

Sugriro a você que agregue um epílogo a seu livro. Algo como: “Devo reconhecer que pode-se ser um péssimo aluno das comunidades indígenas zapatistas. Sem dúvida digo, depois de escutar seu estrondoso silêncio, que aprendi o principal: que não importa que usemos bombas, balas, coletes, golpes, mentiras, projetos, dinhero, que compremos os meios de comunicação de massa para que gritem falsidades e calem verdades, o resultado sempre é o mesmo: os zapatistas não ==claudicam==, não se vendem, não se rendem e… surrpresa!… não desaparecem”.

Porque a história, senhor Álvarez, seguirá repetindo-se uma e outra vez: reaparecerão rebeldes em todos os rincões e, talvez, com elas, aparecerão seus Marios Benedetti, seus Marios Payeras, seus Omares Cabezas, seus Carlos Montemayor. E talvez os Eduardos Galeano dessas chuvas os lhevarão ou não a dar-se conta.

E também haverá janelas, com ou sem marcos.

E você, senhor Álvarez, seguirá somando-se, olhando-nos sem nos ver, e sem dar-se conta de que, nesse somar-se ao mundo por vir, estão irremediavelmente fora.

Creio que não colocou em seu livro, mas recorde-se que uma vez lhe disse que os zapatistas valemos muito, mas não temos preço. E “não confunda valor e preço” (não, isto não foi dito por Carlos Marx, e sim Juan Manuel Serrat).

Sem dúvida, senhor Álvarez, recordando os momentos de firme dignidade que você teve, e dos quais fui testemunha quando trabalhou na Comissão de Concórdia e Pacificação, ainda pode mudar isso:

Deixe o seu partido e o que representa, abandone a essa classe política que não fez nada senão converter-se em um parasita insaciável. Você é de Chihuahua. Vá à Sierra Tarahumara, peça para entrar em uma das comunidades rarámuris. Talvez não lhes deixem ficar, já não está o íntimo amigo Ronco para preguntar-lhe. Mas talvez sim o deixem ficar alguns dias. Ali, com eles, aprenderá você o fundamental do coração indígena, da luta e esperança dos povs originários do México. Depois de tudo, não chama assim seu livro?

Vá senhor Álvarez Álvarez, a esse ou a qualquer povo indígena que o aceite depois de renunciar ao que é agora. Aí será respeitado (e não mal-tolerado) por sua idade e, sobretudo, aprenderá que para os povo índios do México, “dignidade” é um verbo que se conjuga no presente desde mais de 500 anos… e os que faltam.

Vá, talvez neste dia há de escolher. E em seu caso não é nada simples, porque se trata de eleger entre um mundo ou outro. Que não o detenha ou mal aconselhe a idade. Olhemos para nós, temos mais de 500 anos e ainda aprendemos.

Se não o faz, ao menos terá conhecido por si mesmo a verdade que está contida nas 17 sílabas deste Haiku de Mario Benedetti:

“Quem diria,
os débeis de verdade
nunca se rendem”

Vale. Saúde e escutou?… “há poucas coisas / tão ensurdecedoras / como o silêncio” (sim, também Haiku e também de Mario Benedetti).

Desde as montanhas do Sudoeste Mexicano.

Subcomandante Insurgente Marcos.
México, Dezembro de 2012.

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Tradução para o português, flor da palavra.

Não @s conhecemos?

Tradução feita por: flor da palavra

Revisão: pendente

EJÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERACIÓN NACIONAL. MÉXICO. 29 de Dezembro de 2012.

A quem corresponda lá em cima:

“Crêem que estão com o bando ganhador… assim que, além de traidores, são idiotas. ”
Tyrion Lannister em Canção de Gelo e Fogo. Tomo II: “Choque de Reis”. George R.R. Martin.

” —Um leitor vive mil vidas antes de morrer —disse Jojen—. Aquele que nunca lê vive somente uma.”
Jojen Reed em Canção de Gelo e Fuego. Tomo V: “Dança de Dragões”. George R.R. Martin. (Jojen Reed aparecerá na terceira temporada da série de HBO “Jogos de Tronos”. O personagem será interpretado por Thomas Brodie-Sangster. Nota elucidada por Marquitos Espalhador).

“—Se alguém desenha em si mesmo um alvo no peito —disse Tyrion depois de sentar-se e beber um gole de vinho— tem que ser consciência de que tarde ou cedo lhes vão a soltar flechas.”

“—A todos nos faz falta que nos enganemos, de vez em quando, Lord Mormont —replicou Tyrion encolhendo os ombros—. Ao contrário, começamos a nos tomar demasiadamente sérios.”
Tyrion Lannister con os mandatos de Guarda da Noite. Em “Canção de Gelo e Fogo”, Tomo I: “Jogo de Tronos”.

“Que se acabem os bonitos / mais vale feio e saboroso / que ser bonito e baboso”
Botellita de Jerez.

Damas e cavaleiros?

Quando vimos a nota pensamos que era uma inocente carta de 28 de dezembro, mas vimos que está datada o 24 do mesmo mês.

Será que não nos conhecemos? Mmh… mmh… vejamos:

Enrique Peña Nieto. Nasceu em Atlacomulco, Estado do México? Não é o parente de Alfredo Del Mazo e Arturo “mãs largas” Montiel?

Não é quem ditou, conluiado ao governo municipal perredista de Texcoco, a remoção dos floristas e a apreensão do dirigente da Frente dos Povos em Defesa da Tierra, Ignacio del Valle, em maio de 2006?

Não é quem lançou a seu cachorro de isca e delinquente, Wilfrido Robledo Madrid, para atacar o povoado de San Salvador Atenco e ordenou seus policiais à agressão sexual contra as mulheres? Não é o assassino intelectual de Javier Cortés e Alexis Benhumea? Não foi a Suprema Corte de Justiça da Nação a que ditou que os 3 níveis de governo (observem: governo federal: PAN; governo estatal: PRI; governo municipal: PRD) sim implicavam em violações graves às garantias individuais da população?

Não é quem fez um trágico ridículo com o caso da menina Paulette, mais conhecido como “o caso del colchão assassino”?

Não é quem de jactou da violência policíaca em San Salvador Atenco e com sua atitude soberba, esquecendo que estava frente a frente com jovens críticos e não um set de televisão, desde seu posto de comando localizado no banheiro da Ibero, ordenou caluniar aos incorfomados e detonou assim o
movimento juvenil-estudantil depois conhecido como #yosoy132?

Não é aquele que, como primeiro ato de governo, e agora em couio com o governo perredista do DF, ordenou a repressão contra as manifestações de 1 de dezembro deste ano e que derivou na detenção, tortura e encarcelamento de inocentes?

Não é aquele que não leu bem nem o teleprompter que o acompanha ainda antes do golpe de Estado midiático de 1 de julho de 2012?

Não é aquele quem agora quer esconder-se atrás das saias da suposta parentagem do reiterado defunto, como se de uma telenovela chinfrim se tratasse?

Ouçam, e já que estamos neste tema de telenovelas, qual será a moda moda sexenal? Digo, com Echeverría foram goiabas; com López Portillo, as águas frescas; com De la Madrid, o cinza rata; com Salinas de Gortari, o prozac; com Zedillo, os maus chistes; com Fox, as ocorrências; com Calderón, o sangue… e com Peña Nieto? ”Amores verdadeiros”? Fuiiii… já de plano.

Bem, perdão, sigamos com nosso desconhecimento:

Emilio Chuayffet Chemor. Não foi chefe de Enrique Peña Nieto e seu “mestre”? Não foi Secretário de Governo com Ernesto Zedillo? Não é o tontinho que, em 1996, disse à Cocopa que o governo federal aceitava sua iniciativa de lei e que na cruamente se retratou? Não foi um dos responsáveis intelectuais do massacre de Acteal em dezembro de 1997? Não foi o que quis impor a moda dos == “copetitos coquetos” ==entre os priístas e o único que o secundou foi o então pupilo Enrique Peña Nieto?

Pedro Joaquín Coldwell. Não era comissionado governamental para a paz em Chiapas quando ocurreu o massacre de Acteal e ficou calado e seguiu recebendo por não fazer nada?

Rosario Robles Berlanga. Não foi a chefa de governo do DF pelo PRD? Não se jactou da repressão que sua polícia empreendeu várias vezes contra os jovens estudantes da UNAM, na greve de 1999-2000? Não foi quem, presidindo o PRD, vendeu em todos os sentidos o seu partido? Não é agora a encarregada de brigar aos/às Bejarano com o corporativismo no DF e em toda a república?

Alfonso Navarrete Prida. Não foi quem encobriu primeiro o ajuste de contas do crime organizado que derivou no assassinato de Enrique Salinas de Gortari (psss, levam-se pesadamente entre vocês, hein?) e logo exonerou a Arturo “maõs largas” Montiel?

Miguel Ángel Osorio Chong. Não foi acusado de desviar fundos governamentais ao PRI? Não foi aberto na PGR uma averiguação prévia PGR/SIEDO/UEIDORPIFAM/185/2010 por vínculos com a organização criminosa “Los Zetas”? (Ah, mudança de estratégia no combate ao narcotráfico?)

(Ops, estou vendo agora que um dos irmãos da subsecretaria de Imigração, População e Assuntos Religiosos, da Secretaria de Governo a cargo do senhor Osorio Chong, não tem uma senão várias averiguações prévias -várias delas com o selo de “cancelada por ausência do indiciado”, logo outro selo de “sempre não está morto”, e logo outro de “pois resulta que sim está bem morto”, e assim… mmh… 18 vezes. O último selo de “capaz que por aí anda o condenado” é de 21 de dezembro de 2012, e uma nota escrita a mão que diz “ativação pendente, esperar indicações de CSG.”… mmh… o que será que quer dizer essas iniciais? Tambén mudaram o nome a PGR? Ao fim, avisem ao == tampiquenho == não?).

Claro, vocês me dirão que não, estas pessoam mandam, que em realidade é Carlos Salinas de Gortari quem dita à Enrique Peña Nieto o que deve-se fazer (ah!, o que seria deste país se não houvesse sido inventado o teleprompter?).

Ok, ok, ok. Carlos Salinas de Gortari. Não é aquele que saqueou como nenhum outro as riquezas nacionais durante seu mandato? (sim, já sei que todos são uns ladrões, mas digamos que há amadores e professionais). Não é aquele quem devastou o campo mexicano com suas reformas ao artigo constitucional 27? Não é aquele pelo qual amargamos o brinde de ano novo na madrugada de 1994? Não é quem viu destroçados seus sonhos ditatoriais por uns rifles de madeira? Não é quem mandou assassinar a Luis Donaldo Colosio Murrieta? Não é quem fez o ridículo com sua greve de fome em 1995? Não é quem, no último 21 de dezembro, perguntaca frenético pelo telefono vermelho: “Que dizem?, que dizem?” e quem sentiu um calafrio em suas costas quando o responderam: “nada, estão em absoluto silêncio”?

Tod@s vocês, não são o/as que sempre optaram pela violência por cima do diálogo?

Aquel@s que sempre recorrem à força quando não têm razão?

Aquel@s que fizeram escola de corrupção e ruindade em todos os partidos políticos?

Não são os que têm se negado a cumprir os Acordos de San Andrés que significariam o reconhecimento constitucional dos direitos e as culturas indígenas, e acabariam com as remoções disfarçadas de mineradoras, aquadutos, presas, balneários, rodovias, fracionamentos?

Não são vocês quem, junto com seus companheir@s da classe política, se parecem a esses assessores de segurança que, nos grandes edifícios, tratam de convencer aos inquilinos dos andares medianos, altos e a cobertura, de que não correm perigo enquanto dinamitan os pisos abaixo, a planta baixa e o sotão? Por certo, há alguém que acredite?

Vocês, que tantas vezes me mataram, declaram morto, extinto, defunto, finado, cadáver, desaparecido, derrotado, vencido, rendido, comprado, aniquilado, pensam que alguém vai acreditar em vocês quando seja verdade que, como no amor, em corpo e alma me entreguei à morte e seja só um pouco mais de terra na terra?

Se responderam “não” a qualquer das perguntas, então têm razão: não os conhecemos.

Desde as montanhas do Sudoeste Mexicano.

Subcomandante Insurgente Marcos.
México, Dezembro de 2012.

P.D. QUE REITERA.- Já sei que já sabem, mas convém que o recordem: não temos medo de vocês. Ah, e não somos os únicos.

P.D. QUE, GENEROSA, OFERECE AOS MAUS GOVERNOS UM MANUAL DE 10 PASSOS (observem: de fácil leitura, não espantem-se), PARA IDENTIFICAR A UM/A ZAPATISTA E SABER SE PODE DIZER OU NÃO QUE “SE TÊM CONTATOS COM O EZLN”:

1.- Se pede dinheiro ou projetos a qualquer dos 3 níveis de governo, NÃO É ZAPATISTA.
2.- Se estabelece um canal de comunicação direto sem anunciá-lo antes publicamente, NÃO É ZAPATISTA.
3.- Se pede para falar ou fala diretamente com qualquer dos 3 níveis de governo sem anunciá-lo antes publicamente, NÃO É ZAPATISTA.
4.- Se quer um cargo, nomeação, homenagens, prêmios, etc., NÃO É ZAPATISTA.
5.- Se tem medo, NÃO É ZAPATISTA.
6.- Se vende a si mesm@, rende-se ou submete-se, NÃO É ZAPATISTA.
7.- Se toma a si mesm@ muito a sério, NÃO É ZAPATISTA.
8.- Se não provoca calafrios ao vê-l@, NÃO É ZAPATISTA,
9.- Se não dá a sensação de que diz mais com o que cala, NÃO É ZAPATISTA.
10.- Se é um fantasma dos que se desvanecem, NÃO É ZAPATISTA.

P.D. QUE SE DESCULPA.- Oh, sei que esperavam algo mais sério e formal. Mas, não é o estilo e tom desta missiva melhor “prova de vida” que uma foto ou um vídeo, até mais que a assinatura?

A P.D. LHE ENTREGA UM HAIKU DE MARIO BENDETTI AO SUPMARCOS: “não quero ver-te / pelo resto do ano / ou seja até a terça”.

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Tradução para o português, flor da palavra.

EZLN ANUNCIA SEUS SEGUINTES PASSOS. COMUNICADO DE 30 DE DEZEMBRO DE 2012

COMUNICADO DO COMITÊ CLANDESTINO REVOLUCIONÁRIO INDÍGENA – COMANDO GERAL DO EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL
MÉXICO.

30 de dezembro de 2012
Ao povo do México:
Aos povos e governos do mundo:
Irmãos e irmãs:
Companheiros e companheiras:

No último 21 de dezembro de 2012, durante a madrugada, dezenas de milhares de indígenas Zapatistas nos mobilizamos e tomamos, pacificamente e em silêncio, 5 cabeceiras municipais no sudeste do estado mexicano de Chiapas.

Nas cidades de Palenque, Altamirano, Las Margaritas, Ocosingo e San Cristóbal de Las Casas, os olhamos e nos olhamos a nós mesmos em silêncio.
Não é mensagem de resignação.
Não o é de guerra, de morte e de destruição.
Nossa mensagem é de luta e resistência.

Depois do golpe de estado midiático que encobriu no poder executivo federal a ignorância dissimulada e pior maquiada, nos fizemos presentes para lhes fazer saber que se eles nunca se foram, nós também não.
Há 6 anos, um segmento da classe política e intelectual foi buscar um responsável por sua derrota. Naquele tempo nós estávamos, nas cidades e comunidades, lutando por justiça para uma Atenco que não estava na moda.

Nesse ontem, nos caluniaram primeiro e quiseram calar-nos depois.

Incapazes e desonestos para ver que em si mesmos tinham e tem a levedura de sua ruína, pretenderam nos
desaparecer com a mentira e o silêncio cúmplice.

Seis anos depois, duas coisas ficaram claras:
Eles não nos necessitam para fracassar.
Nós não os necessitamos para sobreviver.
Nós que nunca nos fomos ainda que assim tenham se empenhado em fazer acreditar a mídia de todo espectro, ressurgimos como indígenas Zapatistas que somos e seremos.

Durante estes anos temos nos fortalecido e melhorado significativamente nossas condições de vida. Nosso nível de vida é superior ao das comunidades indígenas aliadas aos governos vigentes, que recebem as esmolas e as desperdiçam com álcool e artigos inúteis.

Nossas moradias melhoram sem castigar a natureza impondo-lhe caminhos que lhe são alheios.

Em nossos povoados, a terra que antes era para engordar o gado de latifundiários e fazendeiros, agora é para o milho, o feijão e as verduras que iluminam nossas mesas.

Nosso trabalho recebe a satisfação dupla de nos prover o necessário para viver honradamente, e para contribuir com o crescimento coletivo de nossas comunidades.

Nossos filhos e filhas vão a uma escola que os ensina sua própria história, a de sua pátria e a do mundo, assim como as ciências e as técnicas necessárias para engrandecer-se sem deixar de ser indígenas.
As mulheres indígenas zapatistas não são vendidas como mercadorias.

Os indígenas priístas* vão aos nossos hospitais, clínicas e laboratórios porque nos do governo não há remédios, nem equipamentos, nem médicos nem pessoal qualificado.

Nossa cultura floresce, não ilhada e sim enriquecida pelo contato com as culturas de outros povos do México e do mundo.

Governamos e nos governamos nós mesmo, buscando sempre primeiro o acordo antes que o confronto.
Tudo isso foi conseguido não somente sem o governo, a classe política e meios que os acompanham, mas também resistindo aos seus ataques de todo tipo.

Temos demonstrado, uma vez mais, que somos quem somos.

Com nosso silêncio nos fizemos presentes.

Agora com nossa palavra anunciamos que:

PRIMEIRO.- Reafirmaremos e consolidaremos nosso pertencimento ao Congresso Nacional Indígena, espaço de encontro com os povos originários de nosso país.

SEGUNDO.- Retomaremos o contato com nossos companheiros e companheiras aderentes à Sexta Declaração da Selva Lacandona no México e no mundo.

TERCERO.- Tentaremos construir as pontes necessárias junto aos movimentos sociais que já surgiram e surgirão, não para dirigir ou suplantar, mas para aprender com eles, sua história, seus caminhos e destinos.

Para isso temos contado com o apoio de indivíduos e grupos em diferentes partes do México, formados como equipes de apoio das Comissões Sexta e Internacional do EZLN, de modo que se convertam em linhas de comunicação entre as bases de apoio zapatistas e os indivíduos, grupos e coletivos aderentes à Sexta Declaração, no México e no mundo, que ainda mantém sua convicção e compromisso com a construção de uma alternativa não institucional de esquerda.

QUARTO.- Seguirá nossa distância crítica frente à classe política mexicana que, em seu conjunto, não fez se não lucrar às custas das necessidades e das esperanças da gente humilde e simples.

QUINTO.- Aos maus governos federais, estatais e municipais, executivos, legislativos e judiciais, e meios que os acompanham dizemos o seguinte:

Os maus governos de todo o espectro político, sem exceção alguma, têm feito todo o possível para destruir-nos, para comprar-nos, para render-nos. PRI, PAN, PRD, PVEM, PT, CC e o futuro partido de RN, nos tem atacado militar, política, social e ideologicamente.

Os grandes meios de comunicação tentaram nos ocultar, com a calúnia servil e oportunista primeiro, com o silênciodissimuladoe cúmplice depois. A quem serviram e de cujo dinheiro se amamentaram já não estão. E aqueles que agora os relevam não durarão mais que seus antecessores.

Como ficou evidente no dia 21 de dezembro, todos fracassaram.

Cabe então ao governo federal, executivo, legislativo e judiciário, decidir se continua a política contra-insurgente que somente conseguiu uma inconsistente simulação torpemente sustentada no manejo midiático ou reconhece e cumpre seus compromissos elevando a nível constitucional os direitos e a cultura indígenas, tal e como estabelecem os chamados “Acordos de San Andrés”, assinados pelo governo federal em 1996, encabeçado então pelo mesmo partido agora no executivo.

Cabe ao governo estatal decidir se continua a estratégia desonesta e infame de seu antecessor, que além de corrupto e mentiroso, ocupou dinheiro do povo de Chiapas para o enriquecimento próprio e de seus cúmplices, e se dedicou à compra descarada de vozes e penas nos meios, enquanto deixava o povo de Chiapas na miséria, ao mesmo tempo que fazia uso de policiais e paramilitares para tratar de frear o avanço organizativo dos povos zapatistas; ou, em troca, com verdade e justiça, aceita e respeita nossa existência e reconhece que floresce uma nova forma de vida social em Território Zapatista, Chiapas, México. Florescimento que atrai a atenção de pessoas honestas em todo o planeta.

Cabe aos governos municipais decidirem se continuarão se deixando enganar** pelas organizações antizapatistas ou supostamente “zapatistas” que os extorquem para, em seguida, agredir nossas comunidades; ou usam esse dinheiro para melhorar as condições de vida de seus governados.
Cabe ao povo do México que se organiza em formas de luta eleitoral e resiste, decidir se segue vendo em nós os inimigos ou rivais em quem descarregar sua frustração pelas fraudes e agressões que, ao final, todos padecemos, e se em sua luta pelo poder continuam aliando-se com nossos perseguidores; ou reconhecem em nós outra forma de fazer política.

SEXTO.- Nos próximos dias o EZLN, através de suas comissões Sexta e Internacional, dará a conhecer uma série de iniciativas, de caráter civil e pacífico, para seguir caminhando junto aos outros povos originários do México e de todo o continente, e junto a quem, no México e no mundo inteiro, resistem e lutam abaixo e a esquerda.

Irmãos e Irmãs:
Companheiros e companheiras:

Antes pudemos contar com uma atenção honesta e nobre de diversos meios de comunicação. Os agradecemos portanto. Mas isto foi completamente apagado com sua atitude posterior.

Aqueles que apostaram que só existíamos midiaticamente e que, com o cerco de mentiras e silêncio, desapareceríamos, se equivocaram.

Quando não haviam câmeras, microfones, canetas, ouvidos e olhares, existíamos.

Quando nos caluniaram, existíamos.

Quando nos silenciaram, existíamos.

E aqui estamos, existindo.

Nosso caminhar, como temos mostrado, não depende do impacto midiático, e sim da compreensão do mundo e de suas partes, da sabedoria indígena que rege nosso passos, da decisão inquebrável que dá a dignidade de abaixo e à esquerda.

A partir de agora, nossa palavra começará a ser seletiva com seu destinatário e, salvo em contadas ocasiões, somente poderá ser compreendida por quem conosco caminhou e caminha, sem render-se às modas midiáticas e conjunturais.

Aqui, com não poucos erros e muitas dificuldades, já é realidade outra forma de fazer política.
Poucos, pouquíssimos, terão o privilégio de conhecê-la e aprender com ela diretamente.

Há 19 anos os surpreendemos tomando com fogo e sangue suas cidades. Agora o fizemos de novo, sem armas, sem morte, sem destruição.

Nos diferenciamos assim de quem, durante seus governos, repartiram e repartem a morte entre seus governados.

Somos os mesmos de 500 anos, de 44 anos, de 30 anos, de 20 anos, de apenas uns dias.
Somos os zapatistas, os menores, os que vivem, lutam e morrem no último rincão da pátria, os que não vacilam, os que não se vendem, os que não se rendem.

Irmãos e irmãs:
Companheiras e Companheiros:
Somos @s zapatistas, recebam nosso abraço.

Democracia!
Liberdade!
Justiça!

Desde as montanhas do sudeste mexicano.

Pelo Comitê Clandestino Revolucionário Indígena – Comando Geral do Exército Zapatista de Libertação Nacional

Subcomandante Insurgente Marcos.
México. Dezembro de 2012 – Janeiro de 2013.

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* indígenas priístas: indígenas afiliados ao partido PRI
** “tragando las ruedas de molino”: tragar é uma expressão utilizada para expressões como “crer ingenuamente em algo”; “tragando las ruedas de molino” apareceria como “sucumbir facilmente a um engano”. (Nota da tradução)