Comunicados Zapatistas

Comunicados do novo calendário Zapatista traduzidos colaborativamente para o Português. Apoie você também! Clique na aba "Status das Traduções" e veja no que pode ajudar! Acesse também o site do *Enlace Zapatista* em: http://enlacezapatista.ezln.org.mx/

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Eles e Nós. VII. @s menores

Tradução feita por: amandac

Revisão: pendente

Eles e nós.

VII.- @s menores.

Introdução.

Fevereiro de 2013.

Há vários anos, enquanto na política de acima se disputava o butim de uma Nação em pedaços, enquanto os meios de comunicação calavam ou mentiam sobre o que abaixo destes céus acontecia, enquanto os povos originários saíam de moda e voltavam ao rincão do esquecimento: suas terras saqueadas, seus habitantes explorados, reprimidos, expropriados, desprezados…

Os povos indígenas zapatistas,

cercados pelo exército federal, perseguidos pelas polícias estatais e municipais, agredidos pelos grupos paramilitares formados e equipados pelos diferentes governos de todo o espectro político do México (PRI, PAN, PRD, PT, PVEM, MC e os diferentes nomes que os parasitas da classe política mexicana tomam), acossados por agentes das diferentes centrais de espionagem nacionais e estrangeiras, vendo seus homens e mulheres, bases de apoio do EZLN, golpead@s, roubad@s e encarcerad@s…

Os povos indígenas zapatistas,

sem alarde,

sem mais imperativos que o dever,

sem manuais,

sem mais líderes que não nós mesm@s

sem outro referente que não seja o sonho de nossos mortos,

só com as armas da história e da memória,

olhando perto e longe nos calendários e geografias,

com o caminho de Servir e não se Servir / Representar e não Suplantar / Construir e não Destruir / Obedecer e não Mandar / Propor e não Impor / Convencer e não Vencer / Descer e não Subir.

 

Os povos zapatistas, os indígenas zapatistas, as indígenas zapatistas, as bases de apoio do EZLN, com uma nova forma de fazer política,

fizemos,

fazemos,

faremos,

a liberdade.

A LIBERDADE

NOSSA LIBERDADE!

 

-*-

Nota de esclarecimento:

Os textos que irão aparecendo nesta sétima e última parte de “Eles e Nós” são fragmentos retirados do “Caderno de Texto de Primeiro Grau do Curso A Liberdade segundo @s Zapatistas. Governo Autônomo I” e “Caderno de Texto de Primeiro Grau do Curso A Liberdade segundo @s Zapatistas. Governo Autônomo II”, versão em espanhol SOMENTE para compas da Sexta (esperamos que haverá versões nas línguas originárias que determine o Congresso Nacional Indígena, assim como em inglês, italiano, francês, português, grego, alemão, basco, catalão, árabe, hebraico, galego, kurdo, aragonês, dinamarquês, sueco, finlandês, japonês e outras línguas, segundo nos apóiem @s compas da Sexta no mundo que sabem isso das traduções). Estes cadernos formam parte do material de apoio para o curso que as bases de apoio zapatistas darão a compas da Sexta no México e no mundo.

 

Todos os textos são de autoria de homens e mulheres bases de apoio zapatistas, e expressam não só parte do processo de luta pela liberdade, mas também suas reflexões críticas e autocríticas sobre nossos passos. Quer dizer, assim vemos as zapatistas, os zapatistas, a liberdade e nossas lutas para consegui-la, exercê-la, defendê-la.
Como já explicou nosso companheiro Subcomandante Insurgente Moisés, noss@s compas bases de apoio zapatistas vão compartilhar o pouco que temos aprendido da luta pela liberdade, e @s compas da Sexta aí verão o que lhes serve e o que não para suas lutas.

 

A aula da escolhinha zapatista, agora já sabem, se chama “A Liberdade segundo @s Zapatistas”, e será dada diretamente por companheiros e companheiras bases de apoio do EZLN, que desempenharam os diferentes cargos de governo, vigilância e cargos de diferentes responsabilidades na construção da autonomia zapatista.
Para poder ingressar na escolhinha, além de ser convidad@s, @s compas da Sexta e convidad@s especiais, deverão ter alguns cursos preparatórios, prévios ou propedêuticos (o como se diz o equivalente à pré-escola ou jardim de infância), antes de passar ao “primeiro grau”. Estes cursos serão dados por compas das equipes de apoio da Comissão Sexta do EZLN e não tem outro objetivo a não ser dar-lhes os elementos básicos da história do neo-zapatismo e sua luta por democracia, liberdade e justiça.
Nas geografias onde não há compas de equipe de apoio, se fará chegar os temas para que @s convidad@s se preparem.
As datas e lugares, quer dizer, os calendários e as geografias nas quais os cursos serão dados pelas bases de apoio zapatistas serão dados a conhecer em sua oportunidade, sempre tomando especial consideração a situação de cada convidad@ individual, grupo ou coletivo.

Todas as convidadas e convidados ao curso o receberão, sem importar se podem vir ou não a terras zapatistas. Estamos vendo a forma e o modo de chegar até seus corações sem importar seu calendário e sua geografia. Assim não tenham vergonha.
Saúde e, de todo modo, prepare o coração, e sim, também o caderno e o lápis.

Desde as Montanhas do Sudeste Mexicano.

SupMarcos.

México, Fevereiro de 2013.

PS.: QUE DÁ LIÇÕES DE BOA EDUCAÇÃO.- Esta sétima e última parte da série “Eles e Nós” consta, por sua vez, de várias peças e são SOMENTE para compas da Sexta. Junto com a parte V (que, como sua numeração indica, tem o título “A Sexta”) e o final da parte VI.- Olhares 6: “Eles Somos”, forma parte da correspondência particular que o EZLN, através de seus voceros(1), dirige a seus compas da Sexta. Nessas partes, e nesta, se assinala com claridade que é o destinatário.

A quem não são compas e tratam de zombar, polemizar, discutir ou replicar, lembramos que isso de ler e comentar a correspondência alheia é coisa de fofoqueir@s e/ou de polícia. Assim que vejam em qual categoria entram. Além disso, com seus comentários só refletem um racismo vulgar (são tão críticos à TV e só repetem seus clichês), expressam uma redação lamentável e reiteram sua falta de imaginação (que é uma consequência da falta de inteligência… e de sua pressa para ler). Embora, claro, agora terão que ampliar a cantoria de “marcos não, ezln sim” e passar a “marcos e moisés não, ezln sim”; depois “CCRI-CG não, ezln sim”. Depois, se chegarem a conhecer as palavras diretas das bases de apoio zapatistas (o que eu duvido) terão que dizer “ezln não, ezln também não”, mas já vai ser muito tarde.

Oh, não fiquem tristes, quando colocarmos vídeos musicais de Ricardo Arjona, Luis Miguel, Justin Bieber ou Ricky Martin, poderão se sentir convocados. Enquanto isso esperem sentados, continuem olhando o calendário de acima (3 ou 6 anos passam rápido), movam-se um pouco mais à direita (certo, já estão acostumados), e fiquem de um lado, não vamos respingar…

 

¡Órales razaaaaa! ¡Yvenga a darle al baile! ¡Ajúa!

(1): Voceros: porta-vozes; vozeiros. Optou-se por manter o termo em espanhol, pois este já é quase um conceito acerca daquel@s que fazem ecoar as palavras zapatistas.

 

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Escute e veja os vídeos que acompanham este texto:

 

La Estrella del Desello” com Eulalio González El Piporro. A canção aparece também, em uma versão mais curta, no filme “La Nave de los Monstruos” (1959, de Rogelio A. González). Não traz nada de ezetaelene, inseri aqui sem teimosia, e para saudar às/aos compas do norte e que não fiquem tristes, ainda que estejam longe @s vamos olhar. ¡Ajúa!

 

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=ticsxPf3-3c

 

“La Despedida” com Manu Chao e Radio Bemba, em uma comunidade indígena zapatista.

 

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=Co-XQm9NDd0

 

“Brigadistak” com Fermín Muguruza. Na luta contra o Poder, não há fronteiras! ¡Marichiweu!

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=sVB0M5RgvWs&list=PL_836k-Dgy4-OrmJCZOezrl3DJQE6NaT-

 

Eles e Nós VI. Os olhares 5. Olhar a noite em que somos

Tradução feita por: mandinga

Revisão: pendente

ELES E NÓS
VI.- Os olhares 5.
5.- Olhar a noite em que somos.
(Da lua nova ao quarto crescente)
Há muitas luas: lua nova, novinha, como somando-se ela, apenas para ver as sombras de abaixo, e então…
Chega ele-somos.  Sem precisar de papéis de consulta ou apoio, sua palavra vai desenhando os olhares de quem aqui manda e a quem obedecemos. Ao terminar, olhamos.
A mensagem dos povos é clara, curta, simples, contundente. Como devem ser as ordens.
Nós, soldados, nada dizemos, só olhamos, pensamos: “É muito grande. Isso já não é só nosso, nem só dos povos zapatistas. Nem sequer é só desse canto, dessas terras. É de muitas veredas, de todos os mundos.
 – É preciso cuida-lo – dizemos todas-somos, e sabemos que falamos disso, mas também de ele-somos.
Vai ficar bem… mas precisa se preparar para que acabe mal, como por si é nosso modo – dizemos todos-somos.
– Então, temos que prepará-la – nos dizemos todas-somos, – cuidá-la já, cresce-la.
– Sim – nos respondemos todos-somos.
– É preciso falar com nossos mortos. Eles nos apontarão o tempo e o lugar – dizemos, nos dizemos todas-somos.
Olhando nossos mortos, abaixo, os escutamos. Lhes levamos a pequena pedra. Ao pé de sua casa as levamos. A olham. Nos olhamos olhá-la. Nos olham e levam nossos olhares muito longe, onde não alcançam nem os calendários nem a geografia. Olhamos o que seu olhar nos mostra. Calamos.
Voltamos, nos olhamos, nos falamos.
– É preciso cuidar muito, preparar cada passo, cada olho, cada ouvido… vai demorar.
– Será preciso fazer algo para que não nos olham e logo para que sim nos olham.
– Aí já não nos olham, ou olham o que creem que olham.
– Mas sim, é preciso fazer algo… Me toca, meu turno.
 – Que ele-somos veja-o dos povos… Todos-somos vemos de cuidá-lo, bem, silenciosamente, calando, como é nosso jeito
-*-
Há umas poucas luas, chovia…
– Já? Pensamos que tomariam mais tempo.
– Pois sim, mas assim está.
– Bom, agora fixe bem o que vamos te perguntar. Querem que voltem a olhá-los?
– Querem, se sentem fortes, estão fortes. Dizem que isso é de todos, de todas, de ninguém. Dispostos, dispostas estão, dizem.
– Mas, se dá conta de que não vão nos olhar apenas os que são como nós, mas também os Mandões de um e outro lado que odeiam e perseguem o que somos?
– Sim, vai na nossa conta, sabemos. Nosso turno, seu turno.
– Bom, só falta o lugar e a data.
– Aqui – e a mão aponta o calendário e a geografia.
– O olhar que provocaremos com isso já não será o da lástima, da pena, da compaixão, da caridade, da esmola. Haverá alegria em quem é como somos, porém coragem e ódio nos Mandões. Vão nos atacar com todos os seus meios.
– Sim, lhes disse. Se olharam, mas assim disseram: “Queremos olhar e olhar-nos com os que somos ainda que não saibamos nem saibam que são o que somos. Que nos olham queremos. Dos Mandões estamos cheios, cheias, dispostas, dispostos estamos”.
– Quando, onde então? – colocam calendários e mapas sobre a mesa
 – A noite, quando alvorecer o inverno.
 – Onde?
 – No seu coração
– Tudo pronto?
– Tudo pronto, já
– Vá.
Cada um ao que te toca. Só nos demos um aperto de mão. Mas não foi necessário.
-*-
Há umas noites, a lua revelada e limpa…
– Já está. Já estão os que olhamos. A parte que segue vai lhe tocar outros olhares. Se toca – lhe dizemos a eles-somos
– Estou pronto, disposto estou – diz eles-somos
Todos-somos assenamos em silêncio, como já é nosso modo.
– Quando?
– Quando falam nossos mortos.
– Onde?
No seu coração.
-*-
Fevereiro de 2013. Noite. Lua em quarto crescente. A mão que somos escreve:
“Companheiroas, companheiras e companheiros da Sexta:
Queremos apresentar-lhes a um dos muitos eles que somos, nosso companheiro Subcomandante Insurgente Moisés. Ele cuida de nossa porta e em sua palavra também falamos os todos e todas que somos. Lhes pedimos que o escutem, quer dizer, que o olhem e assim nos olhem. (…)”
(Continuará…)
Desde qualquer canto em qualquer mundo.
SupMarcos
Planeta Terra
Fevereiro de 2013.
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P.S. QUE ADVERTE E DÁ PISTAS: O texto que segue a continuação e que aparecerá na página eletronica de Enlace Zapatista nesse 14 de fevereiro, dia em que os zapatistas, as zapatistas honramos e saudamos a noss@s morto@s, é principalmente para nossos companheiros, companheiras e companheiroas da Sexta. O texto completo só poderá ser lido com uma senha (da qual se tem dado várias pistas e que pode ser deduzida) que foi enviada por correio eletronico onde pudemos. Se você não recebeu e não entendeu a dica (pode encontrá-la lendo com atenção esse texto e o anterior -“Olhar e comunicar”-), só tem que mandar um emeio para página e o remetente te mandará a senha. Como já explicamos em ocasiões anteriores, os meios livres são também livres para publicar ou não o texto completo segundo suas próprias considerações autônomas e libertárias. O mesmo para qualquer companheira, companheiro e companheiroa da Sexta de qualquer geografia. Nosso afã não é outro que faze-los saber que são a vocês que nos dirigimos e, de maneira muito especial, a quem vocês decidam por ao outro lado da ponte de nosso olhar.
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“B Side Players” de São Diego, Califas, com a canção “Nuestras Demandas”. “B Side Players” é formado por Karlos “Solrak” Paez – voz, violão; Damián DeRobbio – baixo, Luis “O General” cuenca – percusão e voz; Victor Tapia – congas e percusões.; Sax; Emmanuel Alarcon – violão, cuatro  puertorriqueño, e vozes; Aldo Perretta – charango, tres cubano, jarana veracruzana,  ronrroco, cuatro venezolano, kena, zampoña; Russ Gonzales –  sax tenor; Mike Benge – trombone; Michael Cannon – tambores; Camilo  Moreno – congas e percusão; Jamal Siurano – alto sax; Kevin Nolan –  trombone e trompete; Andy Krier – teclado; Omar Lopez – baixo.
De Galícia, Estado Espanhol, a canção “EZLN”, do grupo “Dakidarria” formado por: Gabri (violão e voz principal);  Simón: (violão e vozes); Toñete: (trombone); David: (baixo e vozes);  Juaki: (trompete  e vozes); Anxo: (sax barítono); Charli: (teclado);  Jorge Guerra: (bateria)
Uma versão muito especial do “Hino Zapatista”, música e vozes de “Flor del Fango”. O grupo musical “Flor del Fango” está formado por Marucha Castillo – cantora: Napo Romero –  cantor,  violão,  charango e quena; Alejandro Marassi – baixo, cantor,  coros e  guitarrón;  Danie Jamer “o perigoso” – guitarras flamenca, folk e elétrica e cuatro; Sven Pohlhammer – guitarras, sinte  e eletro acústica,  Cavaquinho e Mandolina; Philippe Teboul  “Garbancito” – cantor, bateria,  percusões, coros; Patrick Lemarchand –  bateria e percusões; Martín  Longan –  coordenação

Eles e Nós. VI. Os olhares. 3. Alguns outros olhares

Tradução feita por: amandac

Revisão: pendente

ELES E NÓS
VI.- Os Olhares 3.
3.- Alguns outros olhares
Um: Um sonho à vista
É uma rua,  um milharal, uma fábrica, um tunel, um bosque, uma escola, uma loja de departamento, um escritório, uma praça, um mercado, uma cidade, um campo, um país, um continente, um mundo.
O Chefão está gravemente ferido, a máquina quebrada, a besta exausta, a selvagem presa.
De nada serviram as mudanças de nome e de bandeiras, os golpes, os cárceres, os cemitérios, o dinheiro fluindo pelas mil artérias da corrupção, os “reality shows”, as celebrações religiosas, os anúncios pagos, os exorcismos cibernéticos.
O Chefão chama seu último capataz. Alguma coisa te sussurra no ouvido. O capataz sai e enfrenta a multidão.
Diz, pergunta, demanda, exige:
“Queremos falar com o …”
Hesita, a maioria das que o enfrentam são mulheres
Corrige:
“Queremos falar com a …”
Volta a hesitar, não é pequeno o número de outr@s que o enfrentam
Volta a corrigir:
“Queremos falar com quem está no comando”
Pelo silêncio se aproximam uma/um anciã/o e uma criança, param em frente ao capataz e, com uma voz inocente e sábia, dizem:
“Aqui todas e todos mandamos”
O capataz estremece, e estremece a voz do Chefão no seu último grito.
O olhar desperta. “Sonho estranho”, diz. E, sem importar o calendário e a geografia, segue a vida, a luta, a resistência.
Do estranho sonho só se lembra de umas palavras:
“Aqui todas e todos mandamos”.
Dois: Outro olhar desde outro calendário e outra geografia
(fragmento de uma carta recebida no quartel general de ezetelene, sem data)
“Saudações Compas.
(…)
Minha opinião é que tudo foi um monte de porcaria. Mas não nego que isso tudo é em retrospectiva. Seria muito fácil dizer que entendi perfeitamente o silêncio e que nada me surpreendeu. Falso, eu também me fiquei impaciente com o silêncio (desde já, não tem a ver com o que dizem que os zapatistas não falavam antes, eu sim li todas as denúncias). A questão é que visto com a vantagem dos fatos que passaram, e que estão passando, desde já a conclusão é lógica: estamos no meio da iniciativa mais audáz, ao menos desde a inssureição, dos zapatistas. E isso tem a ver com tudo, não só com a situação nacional, mas também internacional, creio eu.
 
Permitam-me que conte o que entendi do que, do meu ponto de vista, foi o feito mais significativo da ação de 21 [de dezembro de 2012]. Desde já, há muitas coisas: a organização, o esforço militante, a demonstração de força, a presença dos jovens e mulheres etc. Mas a mim, o que mais impressionou foi que marcharam carregando umas tábuas de madeira e que, chegando nas praças fizeram uns palanques. Conforme ia se narrando o que acontecia, muitos meios privados, e alguns livres, especulavam sobre a chegada dos líderes zapatistas. E não se davam conta de que os líderes zapatistas estavam ali. Que eram os povos que subiam no palanque e diziam, sem falar, aqui estamos, isso somos, isso seremos.
 O palco tocou aos que devia tocar. Ninguém reparou, creio eu, neste fato e, sem dúvida, creio eu, aí está, em poucas palavras, o significado profundo de uma nova forma de fazer política. O que rompe com todo o velho, o único verdadeiramente novo, o único que merece a pena ter [ilegível no original] “século XXI”.
A alma plebéia e libertária do que tem sido na história momentos conjunturais, aqui se construiu sem grandes alardes teóricos. Mas bem com uma prática enraizada. Já vem de vários anos para ser rotineiro. Já é um processo histórico social grande e sólido no terreno da auto organização.
Finalmente recolheram seu palanque, voltaram a transformar-se em tábuas e todos devíamos ter um pouco de vergonha e ser mais modestos e simples e reconhecer que algo inesperado e novo está a frente de nossos olhos e devemos olhar, calar, escutar e aprender.
Um abraço para tod@s. Espero que, dentro do possível, estejam bem.
 O Chueco.”
 
três: “Instruções sobre o que fazer em caso de … que te olhem”
Se alguem o olha, a olha, e você se dá conta de que …
Não te olha como se você fosse transparente.
Não quer convence-l@ que sim ou que não.
Não quer te cooptar.
Não quer te recrutar.
Não quer te dirigir.
Não quer te julgar-condenar-absolver.
Não quer te usar.
Não quer te dizer o que pode ou não fazer.
Não quer te dar conselhos, recomendações, ordens.
Não quer te recriminar porque não sabes, tampouco porque sabes.
Não te despreza.
Não quer te dizer o que deve ou não deve fazer.
Não quer comprar seu carro velho, sua cara, seu corpo, seu futuro, sua dignidade, sua vontade.
Não quer te vender algo.
(um tempo negociado, uma televisão lcd em 4D, uma máquina super-ultra-hiper-moderna com botão de crise instantânea (veja bem: não confunda com o botão de ejeção, porque a garantia não inclui amnésia por ridículos midiáticos), um partido político que muda de ideologia segundo o vento, um seguro de vida, uma enciclopédia, uma entrada vip para o espetáculo ou revolução ou céu da moda, um móvel em parcelas pequeninas, um plano de telefonia celular, uma membresia exclusiva, um futuro dado pelo líder generoso, um álibi para render-se, vender-se, mancar, um novo paradigma ideológico, etc.).
Então…
Primeiro.- Descarte que se trata de um depravado ou depravada. Você pode ser o quão suja, feia, má e grosseira quiser, mas, seja o que for de cada um, tenha esse toque sexy e gozador dest@s que trabalham muito, e esse “isso” pode despertar as baixas paixões de qualquer um/a. Mmh… Bom, sim, uma penteada não seria mal. Se não se trata de um/a depravad@, não desanime, o mundo é redondo e dá voltas, e segue mais abaixo (desta linha, se entende)
Segundo.-   Você está segur@ de que é para você que olham? Não estará olhando esse anúncio de desodorantes que está às suas costas (de você, se entende)? Ou não será que está pensando (quem te olha, se entende): “Acho que é assim que fico quando não me penteio“? Se descartou isso, continue.
Terceiro.-   Não tem cara de polícia tentando completar o pagamento que tem que  reportar  ao seu superior? Sim sim, corra, ainda está em tempo de não  perder o de  passagem. Se não, passe ao ponto seguinte.
Quarto,- Devolva-lhe o olhar, com sinal severo. Uma olhada mistura de nojo, dor de barriga, incômodo e look de  assassin@ em série vai servir. Não, assim parece ursinh@ constipad@.  Volte a tentar. Ok, passável, mas siga praticando. Agora, não foge apavorad@?, não desvia o olhar?, não se aproxima exclamando “ti@ juanch@! Não te reconhecia! Mas com esse gesto…”? Não? Ok, continue.
Quinto.-  Repita os passos primeiro, segundo, terceiro e quarto. Podem haver  falhas em nosso sistema (que, claro, é feito na China). Se volta a  chegar nesse ponto, passe ao seguinte:
Sexto.-  Você tem grande possibilidade de ter topado com alguém da Sexta. Não  sabemos se felicitar-lhe ou dar-lhe os pêsames. Em todo caso, é sua  decisão e sua responsabilidade o que acompanha este olhar.
quatro: Um olhar a um posto zapatista.
(calendário e geografia sem precisar)
O SupMarcos: Deve-se apurar porque se acaba o tempo.
A insurgenta de sanidade: Escute Sup, o tempo não se acaba, se acabam as pessoas. O tempo vem de muito distante e segue seu caminho até láaaaaa, onde não podemos olhar. E nós somos como pedacinhos de tempo, ou seja o tempo não pode caminhar sem nós. Nós é que fazemos com que o tempo caminhe, e quando nos acabamos vem outro e empurra um outro tanto ao tempo, até que se chega aonde se tem que chegar, mas não vamos ver onde é que chega senão que outros vão ver se é que chega cabal ou de repente não alcançou a força para chegar e outra volta que tem que empurrá-lo outra vez, até que chegue por si.
(…)
(…)
A capitã de infantaria: E por que demoraste tanto?
A insurgenta da sanidade: É  que estava dando a “aulas” sobre política ao Sup, , ou seja o estava ajudando para que explique bem que é preciso olhar distante, até onde não nos alcança nem o tempo nem o olhar.
A capitã de infantaria: Aham, e então?
A insurgenta da sanidade: Me castigou porque não cumpri com meus trabalhos e me mandou para o correio.
(…)
cinco: Extrato dos “Apontamentos para olhar o Inverno”
(…)
E  sim, tod@s subiram ao palanque com o punho ao alto. Mas não olharam bem.  Não viram o olhar desses homens e mulheres. Não viram que, quando  cruzavam por cima, voltavam o olhar até abaixo e viam suas dezenas de milhares de companheiros. Ou seja, olhavam a si mesmos. Lá em cima não nos olharam olhando-os. Lá acima não entenderam, nem entenderão nada.
(…)
seis: Ponha você sua olhada (ou seu xingamento, desde que não seja de menta).
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(Continuará…)
Desde qualquer canto de qualquer mundo.
SupMarcos.
Planeta Terra.
México, Fevereiro de 2013.
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Escucha y ve los videos que acompañan este texto.
Escute e veja os videos que acompanham esse texto.
Daniel Viglietti e Mário Benedetti interpretam “a la limón” a canção “La Llamarada” e o poema de Benedetti “Pregón”, Concerto em Montevideo, Uruguai, América Latina, Planeta Terra. Ao começar, Daniel faz um reconhecimento de tod@s @s que não estão no palco, mas fazem com que seja possível Daniel e Mário estarem. Quase no fim, podem escutar Mário Benedetti cantando, cantando-se, cantando-nos e, sem importar o calendário e a geografia, vice versa.
Amparanoia interpreta “Somos Viento”. Em uma parte, Amaparo Sánces diz “Ik´otik”, que em tzeltal quer dizer “somos vento”.
Amparo Ochoa, voz que ainda ecoa em nossas montanhas, interpretando “Quién tiene la voz”, de Gabino Palomares.

Eles e Nós. VI. Os Olhares. 2. Olhar e escutar de e para abaixo

Tradução feita por: amandac

Revisão: pendente

ELES E NÓS

VI.- Os Olhares 2.

2.- Olhar e escutar de e para abaixo.

Podemos todavia escolher para onde e desde onde olhar?

Podemos, por exemplo, escolher entre olhar quem trabalha na rede de supermercados, reclamar aos trabalhador@s de serem cúmplices da fraude eleitoral, e fazer escárnio do uniforme laranja com que obrigam a vestir-se @s empregad@s, ou olhar a empregada que, depois de entregar a conta…?

/ A caixa vai e tira o avental laranja, resmungando pela coragem que lhe deu que reclamassem dela ser cúmplice da fraude que levou ao Poder a ignorância e a frivolidade. Dela, mulher, jovem ou madura ou mãe ou solteira ou divorciada ou viúva ou mãe solteira ou esperando ou sem filhos ou o que seja, que entra no trabalho às 7 da manhã e sai às 4 da tarde, claro, se não tem horas extras, e sem contar o tempo de casa para o trabalho e a volta, e logo ao ir à escola ou à casa, os “trabalhos-próprios-de-seu-sexo-se-pode-fazer-com-um-toque-de-vaidade”, leu em uma das revistas que estão ao lado do caixa, em um dia que não havia muita gente. Ela, a quem se supõe que esses vão salvar, questão de um voto e pronto, a felicidade. “Por acaso os donos se vestem com o avental laranja?”, murmura irritada. Ela arruma um pouco o desalinho proposital com que chega para trabalhar para que o gerente não a moleste. Sai. Lá fora espera sua companhia. Se abraçam, se beijam, se tocam com o olhar, caminham. Entram em um café-internet ou cibercafé ou como se diga. 10 pesos a hora, 5 meia hora… /

Meia hora – dizem, fazendo mentalmente contas do orçamento-tempo-do metrô-ônibus-caminhar.

Pendura Roco, não seja pão-duro – diz ele.

– Tá bom, mas em quinze dias você paga, se não o patrão cai em cima de mim e você que vai me fazer fiado.

Tá bom, mas será quando tenha carro, cara, porque estou de lava-rápido.

– Então lave, cara! – diz Roco.

Riem os 3.

– A número 7 – diz Roco.

– Anda, procura – diz ela.

Ele põe um número.

– Não – diz ela -, procura quando começou tudo.

Navegam. Chegam quando são um pouco mais de 131. Colocam o vídeo.

– São morangos – diz ele.

Acalme-se vanguarda revolucionária. Você está mal da cabeça se julga as pessoas por sua aparência. Se me chamam, por ser de pele clara, de moranguinho, e não veem que mal chego ao dia 15 do mês. Tem que ver a história de cada um e o que faz, bestadiz ela, acompanhando a argumentação com um tapa.

Continuam assistindo.

Olham, calam, escutam.

– Depois que cantaram em frente a esse Peña Nieto… são valentes, sim, se vê que têm culhões –, diz ele.

– E ovários, imbecil – outra alfinetada dela para ele.

– Vê lá minha rainha, vou te denunciar por violência intrafamiliar.

– Será violência de gênero, imbecil – e outro tapa.

Acabam de ver o vídeo.

Ele: – É assim que começam as coisas, com uns poucos que não tem medo.

Ela: – Ou se tem medo, o controlam.

– Meia hora! – grita Roco.

– Sim, vamos.

Ela vai rindo.

– E agora ri de quê?

– De nada, estava me lembrando – chega mais perto dele – disso que disse de “intrafamiliar”. Quer dizer como quem diz que você quer que sejamos família?

Ele nem duvida:

– Calma, minha rainha, pra logo, já estamos indo, mas sem tantos tapas, melhor beijinhos, e mais abaixo e à esquerda.

– Não enche o saco! – outro tapa – E nada de “minha rainha”, não somos contra a maldita monarquia?

Ele, antes do tapa: – Tá bom, vai, minha… plebéia.

Ela ri, ele também. Depois de uns passos, ela:

– E você acha os zapatistas nos convidam? Certo, se o Vins é meu amigo e disse que ele é muito amigo do “cara de meia” porque o deixou ganhar no Mortal Kombat, nas máquinas, assim que é só dizermos que somos da turma do Vins e já está feito – ele argumenta entusiasmado.

– E será que vou poder levar minha mãe?, já está idosa…

– Claro, falando de bruxas, se temos sorte ela fica até atolada no lodo, a futura sogra – ele abaixa a cabeça esperando o tapa que não chega.

Ela, já com nojo:

– E que raios nos vão dar os zapatistas se estão tão longe? Por acaso vão me dar um salário melhor, vão fazer que me respeitem, que os malditos homens não fiquem olhando minha bunda na rua, e que o filho da puta do patrão pare de me tocar por qualquer motivo? Me vão dar para pagar o aluguel, para comprar roupa pra minha filha, meu filho? Vão abaixar o preço do açúcar, do feijão, do arroz, do óleo? Vão me dar o que comer? Vão enfrentar a polícia que todo dia incomoda e extorque no bairro os que vendem discos piratas dizendo que é para não denunciá-los para o senhor ou a senhora Sony..?

– Não se diz “pirata”, mas “produção alternativa”, minha rain… plebéia. E não estoura comigo que estamos na mesma.

Mas ela já está viajando, e ninguém pode pará-la.

– E você, vão devolver seu trabalho na fábrica, onde já era qualificado e não sei o que mais? Vão fazer valer seus estudos, os cursos de capacitação, e tudo para que o imprestável do patrão leve a empresa não sei onde, e o sindicato e a greve, e tudo o que fez, para depois terminar lavando carros? Ou como seu amigo, que tiram o trabalho dele e somem com o patrão para que ele não possa se defender e o governo com seu rolo de sempre de que é para melhorar o serviço e a classe mundial e a mãe do morto e por acaso baixaram as tarifas, se está mais caro, e a luz cai toda hora e crretino Calderón vai ter aulas de sem-vergonhice com os gringos, que são os mestres nisso. E meu pai, que deus o tenha em sua santa glória, que foi trabalhar no outro lado [nos EUA], não para ser turista, mas para conseguir dinheiro, a luz, a lã, a grana para nos manter quando a gente estava pequeno e assim sem mais nem menos atravessando a fronteira a polícia de imigração o pegou como se fosse um terrorista e não um trabalhador honrado e nem o corpo nos entregaram e esse cretino Obama que parece que tem o coração com a cor do dólar.

– Tá bom, pare o carro e vai pra calçada, minha plebéia.

É que cada vez que me lembro me dá coragem, tanto dar, dar, para que no final os de acima fiquem com tudo, só falta que privatizem o sorriso, embora não acredito, porque desses tem poucos, mas as lágrimas sim, essas abundam e se fazem ricos… mais ricos. E depois vem você com essas suas coisas de que os zapatistas pra cá e os zapatistas pra lá, e que abaixo e à esquerda e que a oitava…

– A Sexta, não a oitava – interrompe.

– Que seja, esses caras estão muito longe e depois falam um espanhol pior que o seu.

– Ora, ora, não seja má.

Ela limpa as lágrimas e murmura: – Maldita chuva, já arruinou meu Estée Lauder, e eu que tinha me dado de presente porque você gosta de doces.

Eiii, você eu gosto mais sem nada… de roupa.

Riem.

Ela, muito séria: – Bom, vai, me diga, esses zapatistas vão nos salvar?

– Não, minha plebéia, não vão nos salvar. Isso e outras coisas temos que fazer nós mesmos.

– E então?

– Ah, pois, nos vão ensinar.

– E que nos vão ensinar?

– Que não estamos sozinhos.

Ela fica calada um momento. E logo:

– Nem sozinhas, imbecil! – outro tapa.

O transporte coletivo vai explodir de tão lotado. Melhor esperar o próximo.

Faz frio, está chovendo. Se abraçam mais, não para não se molharem, mas para se molharem juntos.

Longe alguém espera, sempre há alguém que espera. E enquanto espera, com um velho lápis e em um caderno velho e esfarrapado, conta os olhares de abaixo que por uma janela os olha.

(Continuará…)

Desde qualquer canto, em qualquer dos mundos.

SupMarcos.
Planeta Terra.
Janeiro de 2013.

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  • “Los Nadies”, baseada no texto homônimo de Eduardo Galeano. Interpreta “La Gran Orquesta Republicana”, banda de ska-fusión, Mallorca, Espanha. Formada por Javier Vegas, Nacho Vegas: saxo. Nestor Casas: trompeta. Didac Buscató: trombón. Juan Antonio Molina: guitarra eléctrica. Xema Bestard: bajo. José Luis García: batería.

http://www.youtube.com/watch?v=ucN-xogQHRQ&feature=player_embedded

Liliana Daunes narra um conto muito “outro” chamado: “Simpre y Nunca contra A Veces”. Saudações à Rede de Solidariedade com Chiapas, que luta e resiste aqui singelamente, em Buenos Aires, Argentina, América Latina, Planeta Terra.

http://www.youtube.com/watch?v=80EIfHMndnQ&feature=player_embedded

“Salario Mínimo” Oscar Chávez e Los Morales.

http://www.youtube.com/watch?v=hyKSN0CRe7w&feature=player_embedded

Eles e Nós. VI. Os olhares. 1. Olhar para impor ou olhar para escutar

Tradução feita por: amandac

Revisão: pendente

ELES E NÓS

VI.- Os Olhares

1.- Olhar para impor ou olhar para escutar.

Por uma vez poderei dizer
Sem que haja ninguém que me contradiga
Que não é o mesmo aquele que deseja

Que aquele que cobiça

Como não são as mesmas as palavras

Ditas para serem escutadas

Que ditas para serem obedecidas

Nem tampouco é o mesmo aquele que me fala

Para dizer-me algo

Que aquele que me fala para que me cale”.

Tomás Segovia.

Quarto Rastreamento” em “Rastreamentos e Outros Poemas”
da editora que tem o bom gosto de chamar-se “Sem Nome”.
Obrigada e um abraço a María Luisa Capella, a Inés e Francisco
(bendito seja o digno sangue que em seus corações pulsa)
pelos livros e as letras-guía.

Olhar é uma forma de perguntar, dizemos nós, @s zapatistas.

Ou de procurar…

Quando se olha no calendário e na geografia, por mais distante que estejam uma da outra, se pergunta, se interroga.

E é no olhar onde o outro, a outra, x outrx aparece. E é no olhar onde este outro existe, onde se traça seu perfil como estranho, como alheio, como enigma, como vítima, como juiz e carrasco, como inimigo… ou como companheir@.

É no olhar onde o medo se aninha, mas também onde pode nascer o respeito.

Se não aprendemos a olhar o olhar-se do outro, que sentido tem nosso olhar, nossas perguntas?

Quem és?

                Qual é a tua história?

                                                  De onde, tuas dores?

                                                                           Quando, tuas esperanças?

Porém não importa somente o quê ou a quem olha. Também, e sobretudo, importa desde onde se olha.

E escolher aonde olhar é também escolher desde onde.

Ou é o mesmo, olhar desde acima a dor daqueles que perdem aqueles que amam e de que necessitam, pela morte absoluta, inexplicável, definitiva, que olhar desde abaixo?

Quando alguém de acima olha os de abaixo e se pergunta “quantos são?”, na realidade está perguntando “quanto valem?”.

E se não valem, que importa quantos são? Para obscurecer este inoportuno número estão os grandes meios de comunicação comerciais, os exércitos, as polícias, os juízes, as prisões, os cemitérios. E para o olhar nosso, as respontas nunca são simples.

Ao olharmos olhar oque olhamos, nos damos uma identidade que tem a ver com dores e lutas, com nossos calendários e nossa geografia.

Nossa força, se é que temos alguma, está neste reconhecimento: somos quem somos, e há outr@s que são quem são, e há outro para quem todavia não temos palavra para nomeá-lo e, ainda assim, é quem é. Quando dizemos “nós” não estamos absorvendo, e assim subordinando, identidades, mas sim ressaltando as pontes que existem entre as diferentes dores e as distintas rebeldias. Somos iguais porque somos diferentes.

Na Sexta, as zapatistas, os zapatistas, reiteramos nosso rechaço a toda tentativa de hegemonia, quer dizer, a todo vanguardismo, seja nos colocando à frente ou à margem, ou, como ao longo dos séculos, na retaguarda.

Se com a Sexta buscamos nossos semelhantes em dores e lutas, sem importar os calendários e as geografias que nos distanciem, é porque sabemos bem que o Chefão não se vence com um só pensamento, uma só força, uma só direção (por mais revolucionária, coerente, radical, engenhosa, numerosa, poderosa e outras coisas que esta direção seja).

É ensinamento de nossos mortos, que a diversidade e a diferença não são debilidades dos de abaixo, mas sim nossa força para parir, sobre as cinzas do velho, o mundo novo que queremos, que necessitamos, que merecemos.

Sabemos bem que este mundo não é imaginado somente por nós. Mas em nosso sonho, esse mundo não é um, e sim muitos, diferentes, diversos. E é em sua diversidade onde tem sua riqueza.

As reiteradas tentativas de impor a unanimidade, são as responsáveis para que a máquina tenha enlouquecido e se aproxime, cada minuto, ao minuto final da civilização como é conhecida até agora.

Na atual etapa da globalização neoliberal, a homogeneidade não é senão a mediocridade imposta como uniforme universal. E se é diferente em alguma coisa da loucura hitleriana, não é em seu objetivo, mas sim na modernidade dos meios para alcançá-lo.

-*-

E se, não só nós, buscamos o como, o quando, o onde, o quê.

Vocês, por exemplos, não são Eles. Bem, ainda não parecem ter nenhum problema em aliar-se com Eles para… enganá-los e derrotá-los desde dentro? Para ser como Eles mas não tão Eles? Para minguar a velocidade da máquina, limar as presas da besta, humanizar a selvagem?

Sim, sabemos. Há uma montanha de argumentos para dar sustento a isto. Inclusive poderiam forçar alguns exemplos.

Porém…

Vocês nos dizem que somos iguais, que estamos na mesma, que é a mesma luta, o mesmo inimigo…. Mmh, não, não dizem “inimigo”, dizem “adversário”. De acordo, isto também depende do contexto.

Vocês que dizem que devemos tod@s nos unir porque não há outro caminho: ou as eleições ou as armas. E vocês, que neste argumento falaz sustentam seu projeto de invalidar tudo o que não se subordina ao reiterado espetáculo da política de acima, nos alertam: morram ou rendam-se. E até nos oferecem a cartada, porque, argumentam, como se trata de tomar o Poder, só há estes dois caminhos.

Ah!, e nós tão desobedientes: nem morremos, nem nos rendemos. E, como foi demonstrado no dia do fim do mundo: nem luta eleitoral, nem luta armada.

E se não se trata de tomar o Poder? Melhor ainda: e se o Poder já não reside neste Estado Nação, este Estado Zombie povoado de uma classe política parasita que pratica a rapina sobre as outras nações?

E se os eleitores que vocês são tão obcecados (por isso seu fascínio pelas multidões), não fazem senão votar por alguém que outros já escolheram, como vez após vez lhes demonstram Eles enquanto se divertem com cada novo truque que fazem?

Sim, claro, vocês se escondem atrás de seus preconceitos: os que não votam? “é por apatia, por desinteresse, por falta de educação, flertam com a direita”…seus aliados em tantas geografias, em não poucos calendários. Votam, mas não em vocês? “são de direita, ignoratnes, vendidos, traidores, mortos de fome, zombies!

Nota de Marquitos Spoil:Sim, nós simpatizamos com os zombies. Não só por nossa semelhança física (nem maquiagem necessitamos e ainda assim arrasaríamos no casting de “The Walking Dead”). Também e sobretudo porque pensamos, junto com George A. Romero, que, em um apocalipse zombie, a brutalidade mais enlouquecida seria obra da civilização sobrevivente, não a dos mortos que caminham. E se algum vestígio de humanidade sobrasse, brilharia nos párias de sempre, os mortos-vivos para os quais o apocalipse começa a nascer e nunca termina. Como agora mesmo acontece em qualquer canto de qualquer dos mundos que existam. E não há filme, nem quadrinho, nem série televisiva que dê conta dele.

O olhar de vocês está marcado pelo desprezo quando olham para abaixo (ainda que seja ao espelho), e de suspiros de inveja quando olham para acima.

Vocês não podem nem imaginar que alguém tenha outro interesse ao olhar este “acima”, que não seja como tirá-los de lá.

-*-

Olhar. Para onde e desde onde. Aí está o que nos separa.

Vocês creem que são os únicos, nós sabemos que somos mais um.

Vocês olham acima, nós abaixo.

Vocês olham como se acomodam, nós como servimos.

Vocês olham como dirigir, nós como acompanhar.

Vocês olham quanto se ganha, nós quanto se perde.

Vocês olham o que é, nós o que pode ser.

Vocês olham números, nós pessoas.

Vocês calculam estatísticas, nós histórias.

Vocês falam, nós escutamos.

Você olham como se vêem, nós olhamos o olhar.

Vocês nos olham e reclamam onde estávamos quando seu calendário marcava suas urgências “históricas”. Nós os olhamos e não lhes perguntamos onde estavam durante estes mais de 500 anos de história.

Vocês olham como aproveitar a conjuntura, nós como criá-la,

Vocês se preocupam pelos vidros quebrados, nós pela raiva que os quebra.

Vocês olham os muitos, nós os poucos.

Vocês olham muros intransponíveis, nós as rachaduras.

Vocês olham possibilidades, nós o que é impossível só até a véspera.

Vocês buscam espelhos, nós cristais.

Vocês e nós não somos o mesmo.

-*-

Vocês olham o calendário de acima e a ele subordinam a primavera das mobilizações, as massas, a festa, a rebeldia das multidões, as ruas repletas de músicas e cores, chamadas, desafios,os que já são muito mais que só cento e trinta e tantos, as praças cheias, as urnas ansiosas por encher-se de votos, e vocês correm rapidamente porque é-claro-que-lhes-falta-uma-direção-revolucionária-partidária-uma-política-de-alianças-ampla-flexível-porque-o-eleitoral-é-seu-destino-natural-mas-estão-muito-despreparad@s-são-pequeno-burgueses-lumpen-prole – número-de-votantes – potenciais-ignorantes-inexperientes-ingênu@s-lerdos-estúpidos, sobretudo estúpidos . E veem em cada ato massivo a culminação dos tempos. E depois, quando já não há multidões ansiosas por um líder, nem urnas, nem festas, decidem que se acabou, que não mais, que talvez em outra ocasião, que há que esperar 6 anos, 6 séculos, que há que olhar para o outro lado, mas sempre para o calendário de acima: a filiação, as alianças, os postos.

E nós, sempre com o olhar torto, remontamos o calendário, buscamos o inverno, nadamos rio acima, passamos pelo riacho, chegamos ao manancial. Aí vemos aqueles que começam, os poucos. Não lhes dizemos, não lhes saudamos, não lhes dizemos o que fazer, não lhes dizemos o que não fazer. Em troca os escutamos, os vemos com respeito, com admiração. E elas, eles, talvez nunca reparem nesta pequena flor vermelha, tão parecida com uma estrela, tão pequena que é apenas uma pedrinha, e que nossa mão deixa abaixo, próximo de seu pé esquerdo. Não porque queremos dizer-lhes assim que a flor-de-pedra era nossa, das zapatistas, dos zapatistas. Não para que tomem esta pedrinha e a lancem contra algo, contra alguém, ainda que não falte vontades e motivos. Mas talvez porque é nosso modo de dizer-lhes, a el@s e a tod@s noss@s compas da Sexta, que as casas e os mundos começam a se construir com pequenas pedrinhas e logo crescem e quase ninguém se recorda destes pedregulhos que começam, tão pequenos, tão pouca coisa, tão inúteis, tão sós, e então vem uma zapatista, um zapatista, e vê a pedrinha e a saúda e se senta ao seu lado e não falam, por que as pequenas pedras, comos os zapatistas, não falam…até que falam, e logo o caso, ou coisa, é que se calam. E não, não se calam nunca, o que passa é que logo não há quem escute. Ou talvez porque vimos mais longe no calendário e sabíamos, antes, que esta noite chegaria. Ou talvez porque assim lhes dissemos, ainda que não saibam, porém nós sabemos, que não estão sozinh@s. Porque são com @s pouc@s que as coisas iniciam e reiniciam.

-*-

Vocês não nos viram antes…e seguem sem nos olhar.

E, sobretudo, não nos viram olhando-os.

Não nos viram olhando-os em sua soberbia, estupidamente destruindo as pontes, socavando os caminhos, aliando-se com nossos perseguidores, depreciando-nos. Convencendo-se de que o que não existe na mídia, simplesmente não existe.

Não nos viram olhando-os e dizendo que assim ficavam em terra firme, que o possível é o terreno sólido, que cortavam amarras deste absurdo barcos de absurdos e impossíveis, e que eram estes loucos (nós) que ficávamos à deriva, ilhados, sós, sem rumo, pagando com nossa existência o ser consequente.

Puderam ver o ressurgimento como parte de suas vitórias, e agora o ruminam como mais uma de suas derrotas.

Vá, sigam seu caminho.

Não nos escutem, não nos olhem.

Porque com a Sexta e com @s zapatistas não se pode olhar nem escutar impunemente.

E esta é nossa virtude ou nossa maldição, depende de onde você olha e, sobretudo, de onde surge seu olhar.

(continuará…)

Desde qualquer canto, em qualquer dos mundos.

SupMarcos.

Planeta Terra.

Fevereiro de 2013.

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Reincidentes. Grupo de Rock, Sevilla, Espanha. Manuel J. Pizarro Fernández: Batería. Fernando Madina Pepper: Bajo y voz. Juan M. Rodríguez Barea: Guitarra y voz.  Finito de Badajoz “Candy”: Guitarra y voz.  Carlos Domínguez Reinhardt: Técnico de sonido. Versão rock de “Yo te nombro libertad” em vídeo dedicado à heróica luta do Povo Mapuche.

http://www.youtube.com/watch?v=j2rLm-jf4as&feature=player_embedded

Eduardo Galeano narra um conto deViejo Antonio: “La Historia de las Miradas“.

http://www.youtube.com/watch?v=WWjly5G63a4&feature=player_embedded

Joan Manuel Serrat cantando “El Sur También Existe“, de Mario Benedetti, em um concerto na Argentina, América Latina. Ao terminar de cantar, Serrat se dirige aos bastidores e traz para o palco Mario Benedetti, tão querido para nós. (minuto 3:01 adiante).

http://www.youtube.com/watch?v=TaKrfKjloUA&feature=player_embedded