Retirado de <http://www.congresonacionalindigena.org/conselho-indigena-de-governo/>. Em 3/5/17.
As experiências coletivas de autonomia, nascidas a partir das resistências e rebeldias que somos, nos ensinaram que o exercício da autonomia nos atos não é apenas uma decisão consequente com a luta de baixo que desde o que somos temos mantido sem vender os objetivos e as causas justas da luta, sem nos render apesar dos tropeços, da repressão, do despejo que não termina, da desqualificação e da divisão. Sem ceder nem sentarmos a descansar porque isso seria esperar nossa morte coletiva.
Essas resistências e rebeldias são formas de governos próprios em cada um de nossos territórios, são trabalhos coletivos, são formas próprias de segurança e de justiça, de agricultura e defesa dos cultivos tradicionais, de formas próprias de educação e de comunicação. Esses modos de consenso, acordos e propostas civilizatórias, regidas pelos 7 princípios que nos regem e nos tem dado resposta precisa aos graves problemas que afligem não somente as nossas regiões mas ao país inteiro, aos povos camponeses não indígenas e as sociedades nas cidades, é nossa proposta para a nação inteira.
A luta do Congresso Nacional Indígena é de baixo, à esquerda e anticapitalista. Nesses tempos onde a hidra capitalista avança e devora tudo o que está ao seu alcance, decidimos que chegou o tempo dos povos, de fazer vibrar esse país com o ladrar do coração da nossa terra mãe. Porque o cuidado com a vida e com a dignidade é nossa obrigação, a que só podemos responder de forma coletiva.
No Quinto Congresso Nacional Indígena realizado no mês de outubro decidimos levar a cabo uma consulta em todos os povos que integram o CNI para decidir se em nossas comunidades se aceitava a proposta emanada do CNI, para formar o Conselho Indígena de Governo (CIG) cuja palavra seja materializada por uma mulher indígena, delegada do CNI como candidata independente que dispute em nome dos povos que integramos o CNI e a sociedade civil o processo eleitoral o ano de 2018 para a presidencia desse país. O resultado da consulta em dezembro de 2016 foi a aprovação da proposta, com a participação de 523 comunidades, de 25 estados do país e de 43 povos indígenas.
Afirmamos que nossa luta não é pelo poder, não o buscamos; mas que chamaremos aos povos originários e a sociedade civil a nos organizar para deter a destruição, fortalecer nossas resistências e rebeldias, que dizer na defesa da vida de cada pessoa, de cada família, coletivo, comunidade ou bairro.
Não nos confundam, não pretendemos competir com os partidos políticos porque não somos o mesmo, não somos suas palavras mentirosas e perversas. Somos a palavra coletiva de baixo e à esquerda, essa que sacode o mundo quando a terra treme com epicentros de autonomia.
Por isso, na próxima assembleia do Congresso Nacional Indígena que será realizada no mês de maio em San Cristobal de las Casas, Chiapas, os povos que integramos o CNI constituiremos o Conselho Indígena de Governo (CIG), como parte dos acordos tomados em dezembro de 2016.
O CIG é a parte medular da proposta que o CNI faz ao país e aos povos indígenas. É a forma de como nos organizaremos nacionalmente a partir de baixo e da esquerda para governar o país, a partir de outra política, a dos povos, a da assembleia, a da participação de todas e todos. É a forma como os povos se organizam para tomar as decisões sobre os assuntos e problemas que nos competem a todas e todos. É outra forma de fazer política, a partir da horizontalidade, desde a análise e a tomada de decisões coletiva.
O CIG se regirá pelos 7 princípios do CNI: Servir e não servir-se, construir e não destruir, obedecer e não mandar, propor e não impor, convencer e não vencer, baixar e não subir, representar e não suplantar.
O CIG estará integrado por conselheiros, uma mulher e um homem de cada língua das diferentes regiões de onde se encontram os povos, tribos e nações que conformam o CNI. Os conselheiros serão eleitos por usos e costumes em suas assembleias e/ou espaços de decisão, que assumirão o compromisso de participar ativamente nesse espaço e de levar até suas assembleias as propostas e ações que emanem do CIG.
O CIG não impulsionará uma candidata mas uma porta-voz. Uma mulher indígena, porque tem sido a discriminada, humilhada, violentada, a mais pobre dos pobres só pelo feito de ser mulher. A mulher indígena que durante séculos não só viveu a violência desse sistema capitalista mas também desse sistema patriarcal que lhe impôs os lugares do silêncio sem voz nem o voto na sua casa e na sua comunidade, da obediência ao homem, da negação a decidir sobre sua vida e sobre seu corpo. Da
superexploração do trabalho sem nenhum pagamento, trabalho que nunca termina porque é a primeira a acordar e a última a dormir. Porque é a que foi carregada com mais pesar, com mais dor de sua gente assassinada, desaparecida, porque é a que viveu na própria carne a violência e o abuso em direção ao seu corpo e a sua sexualidade como parte de uma guerra de extermínio.
Uma mulher indígena que fale língua [indígena], porque é guardiã da sabedoria de sua cultura, dos cuidados de sua família, dos cuidados de seu povo. Guardiã e doadora da vida e de nossa mãe natureza. A filha do coração de cores, a que semeia esperança passo a passo, a que constrói a vida com outras e com outros, a que limpa e cura os corações do ódio e do poder. A que trança em seu cabelo a memória do povo.
Uma mulher indígena que fale a língua e que seja do CNI, porque tem dignidade, porque sabe lutar junto com outras e outros, porque sabe escutar as palavras e os corações, porque sabe tecer unidade com amor, valentia e decisão.
Ela será quem disputará pela Presidência da República. Ela será quem leva a voz do Conselho Indígena de Governo a todo o país, a todo o mundo. Ela será quem leva a voz dos povos e da sociedade civil. Ela será *nosotros*, *nosotras*.