MÉXICO.
“Quase todos os homens preferem negar a verdade antes de enfrentar-se a ela.” Tyrion Lannister a Jon Snow.
“Se não tem nada que temer, um covarde não se distingue em nada de um valente. E todos cumprimos com nosso dever quando não nos custa nada. Nestes momentos,
seguir o caminho da honra nos parece muito simples. Mas na vida de todo homem, cedo ou tarde, chega um dia em que não é simples, e tem que eleger.” Mestre Aemon Targaryen a Jon Snow.
Para: Luis Héctor Álvarez Álvarez.
Em algum lugar de México (isso espero).
De: Subcomandante Insurgente Marcos.
Chiapas, México.
Senhor Álvarez…
Errr… Permita-me um momento, senhor Álvarez, esta parte é para explicar um pouco de onde vêm as epígrafes:
As citações são do livro: Canção de Gelo e Fogo. Tomo I: Jogo de Tronos. 1996. George R.R. Martin. A série televisiva Jogo de Tronos, que toma o nome do primeiro tomo da saga, não está nada mal (Peter Hayden Dinklage, quem dá imagem e voz a Tyrion Lannister, sobresai, paradoxicamente, por cima dos demais atores e atrizes; Jon Snow é interpretado por Kit Harington, e o Mestre Aemon Targaryen por Peter Vaughan) e as 2 primeiras temporadas se podem conseguir a módico preço com seu vendedor de dvd favorito (diga sim à pirataria).
O dvd que vi foi um presente involuntário do comércio informal no Eixo Central, México D.F., (a dizer, alguém o comprou aí e me mandou)… ups, o governo de “esquerda” do DF vai me aplicar o artigo 362, porque, aceitem-no, dá para tudo (seriam a inveja de Gustavo Díaz Ordaz… oh, oh, esse artigo foi proposto em 2002 pelo então chefe de governo do DF, Andrés Manuel López Obrador, e apoiado pela ALDF de maioria perredista… mmh… esta parte não a coloquem… não vão dizer que estou a serviço da direita… já vêem que sempre me preocupa em extremo o que se diz de mim.)
Um pouco pixelada a imagem, mas se vê e se escuta bem. Bom preço, me dizem; em todo caso, mais barato que pagar HBO, e sem a ansiedade de ter que esperar a semana seguinte para saber o quê passou com o pequeno Bran (Isaac Hempstead Wright), ou com a deslumbrante Daenerys Targaryen (Emilia Clarke).
Sem dúvida eu também os recomendaria ler os livros -sim, já sei que a moda sexenal não é ler livros e que é mais barato o gel para o cabelo-, mas uma vantagem é que pode-se tomar un curso de filosofia prática (ah, os paradoxos) com os diálogos de Tyrion Lannister (quem, segundo me dizen, é uma projeção literária do senhor George R. R. Martin). Outra vantagem é que podem “espalhar” (oo como se diga) a ==mansalva== em seus blogs favoritos. Mesmo que se ganhe a inimizade de muit@s, seus pontos (mesmo negativos) por postear subirão apreciavelmente. Isso sim, não abusem, porque se os ocorre dizer que em “Dança de Dragões”… ok… ok…ok… me calo… diga não ao espalhamento.
De nada.
Atentamente:
Marquitos Espalhador.
Agora sim:
Senhor Álvarez Álvarez:
A presente não é somente para reafirmar o que o silêncio multitudinário do 21 de dezembro deve ter deixado claro a você, à classe política e ao governo de Ação Nacional, em geral, e a Felipe Calderón Hinojosa em particular:
Fracassaram.
Oh, não há drama. Já outros governos já tinham tentado antes.. e seguirão tentando.
Mas, senhor Álvarez, seu fracasso não deve buscá-lo em nós, nem sequer no pouco professionalismo de seu nada inteligente serviço de inteligência (mesmo que agora saibam que foram e são uns sem-vergonha). Quem pensa que um zapatista, qualquer um de nós, acudiria a um governo de criminosos para pedir ajuda se estivesse doente? Quem pode pensar racionalmente que os zapatistas se levantaram por dinhero?
Somente a mentalidade de conquistador demodé (cujo melhor exemplo é Diego Fernández de Cevallos) que os inculcam em seu partido político, Ação Nacional, pode haver-lhes permitido tragar-se com entusiasmo essa roda de moinho.
E não se necessitava inteligência, senão minimamente ler os jornais ou escutar os noticiários de antes: os bandidos que se apresentarão diante de você como “amigos próximos ao Sup Marcos”, são os mesmos que simularam uma rendição e “entrega de armas” ao nefasto Croquetas Albores em 1998, simulando ser zapatistas, e que são alguns conhecidos comparsas que já não enganam ninguém… bem, a você sim. Quanto os tiraram? A diferença é que Croquetas sabia que era um tatro e pagou por ele (e para que os meios apresentassem o balneario do Jataté, fora da rodovia municipal de Ocosingo, como se fosse “na selva lacandona”), e a você não só o enganaram, mas até o colocou em um livro.
E não conformado com isso, convida você, na apresentação deste libro, a Felipe Calderón Hinojosa, bêbado de sangue e álcool, que não somente balbuciou incoêrencias, mas também distribuiu aos meios a versão estenográfica. Claro que os meios cobraram dobrado: não por publicá-la, mas por não publicá-la, posto que era patente o estado de ebriedade de quem proferiu essas palavras. Creio que agora é claro que Felipe Calderón Hinojosa mentiu até o último minuto e que é uma invençãon descarada o que assinala em seu último informe de governo. O único acercamento que teve seu governo com “representantes e enviados do EZLN” foi aquele de seus exércitos, polícias, juizes e paramilitares.
Mas, bem, agora já sabe, senhor Álvarez, o que é ser desprezado pelo que o implacável calendário viu.
Como os indígenas, xs idosos são desprezados. E como símbolo desse desprezo, vão as monedas das migalhas, ou, em seu caso, o afronto do engano, o insulto de ser ignorado, as chacotas às suas costas.
Mas há uma diferença, uma diferença pequena, mas dessas que fazem girar a roda da história: enquanto você pagou (com dinheiro que não era seu, seja dito) por ser burlado (e até fazer um livro); nós homens e mulheres, indígenas e zapatistas, castigamos seu desprezo com nosso silencioso e alargado andar.
Porque bem sabemos que também o vendem a idéia de que será recordado por sua luta pela democracia (em realidade, sua luta por poder, mas ali acima gostam de transtornar ambos os termos), mas não. Mesmo que pouco, poderia ser recordado por haver sido cúmplice (ou funcionário, dá no mesmo) do governo mais criminoso que, desde Porfirio Díaz, este país padeceu.
E aqui, em terras indígenas zapatistas, poderia ser lembrado como parte de um governo a mais que tratou de nos render (ou comprar, é o mismo) e, como foi evidente pelo estridente silêncio de São Cristóbal de Las Casas, Altamirano, Las Margaritas, Palenque e Ocosingo, um mais que fracassou.
Porque a classe política e aqueles que vivem de sua estupidez, haverão de apagar-se sem que ninguém os leve em conta (se por acaso, somente para agradecer que já não estorvem), e nada serão, como não sejam um número a mais na dilatada lista dos enganados pelo sonho de serem “históricos”.
E repare que não questionamos sua moralidade. É sabido que toda gangue de criminosos, como a que você serviu esses anos, busca a quem lhes dê um rosto amável e bondoso, com esse rosto uma cartada, ocultando sua identidade depredadora.
Creio que já o sabes senhor Álvarez, no topo de todo o espectro político, todos são iguais. Mesmo que algumas e alguns ingênu@s venham a descubrir até que padeçam a injustiça em carne própia, enquanto a ignoraram quando essa injustiça se repartia cotidianamente em outras geografias próximas ou longínquas.
Seus companheiros de partido, que lucraram com o sangue de inocentes, e agora lamentam que para o mercado houvera pessoas que pagaram-cobraram mas, todos, não são senão um bando de criminosos que feze faz grotescas contorsões ao desatinado ritmo que os meios lhes marcam.
Orgulha-se se haver sido parte de uma equipe com um quadrilheiro como Javier Lozano Alarcón, que teve que esconder-se no senado para não ser chamado a acertar contas com a justiça? Você sente-se bem por ter sido companheiro de Juan Francisco Molinar Horcasitas, um criminoso com as mãos manchadas de sangue de jovens?
E, mesmo que as vezes os paradoxos sejam cômicos, outras são trágicos.
Seu partido político, Ação Nacional, foi um dos que encabeçaram, desde o amanhecer de 1994, os gritos histéricos contra nós, pedindo que nos aniquilassem, porque ameaçávamos consumir o país em um banho de sangue. E resultou que foram vocês, tornados governo, aqueles que extenderam o terror, a angústia, a destruição e a morte a tpds os rincões do nosso já maltratado país.
E o que me diz quando os membros da bancada de seu partido (junto com a do PRI e do PRD), votaram contra os Acordos de San Andrés pelos quais você trabalhou, advertindo que esses acordos significavan a fragmentação do país. E foi seu partido, senhor Álvarez, quem entrega uma Nação em cacos.
Mas console-se, senhor Álvarez, o afã dos seus de passar à história será recompensado. Terão uma linha, talvez, entre os passados por trapaceiros.
Mas também nas páginas dos livros de história e geografia, nas escolas zapatistas, em um parágrafo se lerá:
“O mal governo de Felipe Calderón Hinojosa é conhecido como o que levou a morte absurda à todos os rincões do México, ofereceu à vítimas e algozes a injustiça, e deixou, como sangrento auto- homenagem o crime feito cogoverno, seu monumento. Se Porfirio Díaz deixou o Anjo da Independência, Felipe Calderón deixou a Estrela de Luz. Sem querer, ambos anunciaram assim o fim de um mundo, e mesmo que demore, demorará a enterder.”
Sugriro a você que agregue um epílogo a seu livro. Algo como: “Devo reconhecer que pode-se ser um péssimo aluno das comunidades indígenas zapatistas. Sem dúvida digo, depois de escutar seu estrondoso silêncio, que aprendi o principal: que não importa que usemos bombas, balas, coletes, golpes, mentiras, projetos, dinhero, que compremos os meios de comunicação de massa para que gritem falsidades e calem verdades, o resultado sempre é o mesmo: os zapatistas não ==claudicam==, não se vendem, não se rendem e… surrpresa!… não desaparecem”.
Porque a história, senhor Álvarez, seguirá repetindo-se uma e outra vez: reaparecerão rebeldes em todos os rincões e, talvez, com elas, aparecerão seus Marios Benedetti, seus Marios Payeras, seus Omares Cabezas, seus Carlos Montemayor. E talvez os Eduardos Galeano dessas chuvas os lhevarão ou não a dar-se conta.
E também haverá janelas, com ou sem marcos.
E você, senhor Álvarez, seguirá somando-se, olhando-nos sem nos ver, e sem dar-se conta de que, nesse somar-se ao mundo por vir, estão irremediavelmente fora.
Creio que não colocou em seu livro, mas recorde-se que uma vez lhe disse que os zapatistas valemos muito, mas não temos preço. E “não confunda valor e preço” (não, isto não foi dito por Carlos Marx, e sim Juan Manuel Serrat).
Sem dúvida, senhor Álvarez, recordando os momentos de firme dignidade que você teve, e dos quais fui testemunha quando trabalhou na Comissão de Concórdia e Pacificação, ainda pode mudar isso:
Deixe o seu partido e o que representa, abandone a essa classe política que não fez nada senão converter-se em um parasita insaciável. Você é de Chihuahua. Vá à Sierra Tarahumara, peça para entrar em uma das comunidades rarámuris. Talvez não lhes deixem ficar, já não está o íntimo amigo Ronco para preguntar-lhe. Mas talvez sim o deixem ficar alguns dias. Ali, com eles, aprenderá você o fundamental do coração indígena, da luta e esperança dos povs originários do México. Depois de tudo, não chama assim seu livro?
Vá senhor Álvarez Álvarez, a esse ou a qualquer povo indígena que o aceite depois de renunciar ao que é agora. Aí será respeitado (e não mal-tolerado) por sua idade e, sobretudo, aprenderá que para os povo índios do México, “dignidade” é um verbo que se conjuga no presente desde mais de 500 anos… e os que faltam.
Vá, talvez neste dia há de escolher. E em seu caso não é nada simples, porque se trata de eleger entre um mundo ou outro. Que não o detenha ou mal aconselhe a idade. Olhemos para nós, temos mais de 500 anos e ainda aprendemos.
Se não o faz, ao menos terá conhecido por si mesmo a verdade que está contida nas 17 sílabas deste Haiku de Mario Benedetti:
“Quem diria,
os débeis de verdade
nunca se rendem”
Vale. Saúde e escutou?… “há poucas coisas / tão ensurdecedoras / como o silêncio” (sim, também Haiku e também de Mario Benedetti).
Desde as montanhas do Sudoeste Mexicano.
Subcomandante Insurgente Marcos.
México, Dezembro de 2012.
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Tradução para o português, flor da palavra.